terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Paisagem para um dia de Natal



Subiu de novo ao Castelo de Porto de Mós, não conseguiu abrir a porta da fortaleza, por ser feriado, cinco andorinhas esquecidas, andavam às voltas, entre ameias, varandas e torres, nem por elas ali existirem se vai acabar este Inverno.
O sol brilhante, ajudava ao cinzento claro das serras que era ali e acolá manchado do verde escuro da urze, do tojo e outros arbustos.
Num contraforte a Sul, na Serra dos Candeeiros, a ferida exposta a céu aberto de uma pedreira. As torres da energia eólica lembraram-me um pouco D. Quixote com todas as alegorias e cruzadas que têm hoje, de renovável e de sustentabilidade.
Ao lado do rio Lena, um encontro épico, o cansado Rocinante confraterniza com o cavalo resfolegante de D. Fuas Roupinho que se tinha apeado, para descansar um pouco, depois das peripécias do Sítio da Nazaré. O rio da sua infância, já não corre, cada vez mais cercado de canaviais e salgueiros, lá continua o seu incessante voltejar pelos vales, até à vila da Batalha.
Ali por debaixo do castelo, uma pequena máquina amarelo torrado, roncava inquieta
no pequeno cemitério contíguo entre o branco e negro dos jazigos e das campas,
lembrando-nos que também se morre no dia de Natal.
Lá à frente a Central Eléctrica recordava tempos de fome, de pneumónica e de carvão.
Ali em frente, o velho edifício da cadeia comarcã que teve os seus melhores momentos,
nos piores de tantas almas mais ou menos tresmalhadas e penalizadas.
Na esquerda baixa, a velha Igreja de S.º João discreta com suas árvores ao redor, que se revelaram entre serem sombra de brincadeiras ou de oração, o Largo do Município logo a seguir, onde desaguava a procissão do Senhor dos Passos com seus calvários e cruzes, seus anjos de asa caída ou remendada, aromas de ramos de flores que se matizavam com o cheiro a naftalina de trajes e fatos ressuscitados.
Enfim, lugares de memórias que daqui abarco e ao longe, as casas brancas escondidas
e coroadas, entre os pinhais e o ouro das folhas de carvalho a sua aldeia, os pomares que se estendem ainda, pelos vales em tronco nu, os vinhedos que descem pelas encostas, agora amarrados às pautas de fios onde se penduram, em efémero equilíbrio, os trinados dos pardais.
As terras abandonadas vão sendo ocupadas por silvados e vão desaparecendo caminhos, entre as promessas futuras de amoras e as fugas esbaforidas de coelhos bravos, para os esconderijos do passado. Daqui vislumbras pois esta Europa a que chegámos, esse último pesadelo que já foi sonho que acalentamos.

Tojal, 25 de Dezembro de 2014

Carlos Vieira

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