Não há
último dia
para a palavra
sim para o homem
ela sobrevive
a todas as crise
ao gemocídio
e ao aparatoso acidente
a toda a mordaça
resiste
aquela que o amor não disse
e a que balbucias terna
e estenuada
após o dia de trabalho
e ainda todas as outras
embargadas
na dor da separação
e as entaladas na garganta
da vergonha e da culpa.
Porém,
pode haver
um último dia
para as palavras
quando elas se reúnem
e não persiste o seu eco
ao longo dos séculos
ou da nossa vida
se da sua conjunção
resulta embaciado
o sentido
e não comungam
do ancestral bramido
das ondas incessantes
no colo luminoso do areal
palavras que matam
e agonizam
soam a falso
ou são atiradas ao vento
da difamação e da injúria
filhas bastardas da oportunidade
e da circunstância
palavras escolhidas a medo
transidas na sua dificuldade
da compaixão
e da audácia de clamar por justiça
olhos nos olhos
palavras com prazo de validade
filhas da hábil estratégia
no mercado do engano
últimas palavras
murmuradas por moribundos
extorquidas
pelos cangalheiros
que parasitam as ideias dos outros
quanto tempo dura
quanto vale
a palavra do homem
de palavra
já muito pouca gente sabe
com todo este ruído
à nossa volta
fomos desaprendendo
o seu valor
e já nos vão faltando
as palavras
para o dizer.
Lisboa, 31 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira
"O homem é um ser que se criou a si próprio ao criar uma linguagem. Pela palavra, o homem é uma metáfora de si próprio."
Octavio Paz
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