quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Sonho de lobo polar (Canis lupus arctos)


Nunca cheguei a perceber, por que razão, o lobo polar esta noite me procurou. As alterações climáticas podem explicar, a diminuição da calote polar, a globalização, a qual, invadiu o nosso quotidiano dos mais bizarros personagens e, as nossas noites, de toda a qualidade de fantasmas. Mas não é de excluir, o argumento mais comezinho do aroma mais activo de um “happy meal”, atirado no quintal do vizinho ou de um jantar, em preparação.

De qualquer forma ele ali está, nesta amena noite de Verão, a quilómetros das temperaturas abaixo de zero, farejando por debaixo da tinta preta da esferográfica, as únicas pegadas que deixa, são as letras do abecedário.

Na penumbra onde se encontra, olha numa serena curiosidade, ora para a espantada luz branca do candeeiro, ora para as imagens animadas de um programa de televisão reflectida numa janela, eu espero para ver, quem é que dá o passo seguinte.

Por momentos, achei que era uma alucinação, pois as pessoas passavam no passeio e nem sequer paravam, depois percebi que as pessoas dos subúrbios e das cidades, não se metem na vida dos outros, tem muitos outros problemas e mais motivos de interesse que um lobo polar, perdido da alcateia ou aparentemente marginalizado, sendo verdade que cada pessoa alimenta um ou mais animais exóticos na banalidade da sua vida.

Percebendo que dos inúmeros sinais da noite, apenas a minha silhueta reagia à sua presença, dirigiu-se ainda que desconfiado, para junto do jardim da minha casa e uivou de uma forma que me era familiar, dir-vos-ei que daquela insólita serenata, deduzi que a fome nos transforma humanos em animais e vice-versa, mas que também a abundância pode ser muito empobrecedora na interpretação dos sinais.

Daí a pouco, o pobre bicho arranhava a porta das traseiras da minha casa e gania implorando de uma forma que me humedeceu o coração, um pouco temeroso decidi-me recolher e alimentar o solitário lobo polar, um pouco negligente confesso, em relação ao valor científico da ameaça que representava para a espécie humana e reduzindo a uma interpretação simplista, o facto, da minha pessoa poder pertencer ou não à dieta do animal.

Abri a porta e foi então que a minha gata persa branca apareceu, surpreendentemente, regressada da minha adolescência e deixou ali a os meus pés, um pássaro que tinha caçado, nem sombra de lobo polar, no final ao abrirmos porta da nossa casa, nunca sabemos o que podemos libertar ou quem convidamos a entrar.

 

Lisboa, 23 de Agosto de 2012

Carlos Vieira

 

                                                             “white and white” by RoxiYuki

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