o teu sorriso
que antecedia o entardecer
o teu corpo
um barco que amanhecia
e se te despisse
podias ser um esplendor de fogo
uma fluência de tâmaras
e de especiarias.
Dedilhavas
acordes de piano forte
e eu fui sempre um búzio irreal
que no meio do areal alucinava
por te acompanhar
a partir da fragrância da tua roupa
tecia a espuma
que te fazia renascer
e exalavas o eco da maresia
na tua voz bramindo
sob as ondas veementes
da carne nas guinadas
dos desejos mais inconfessáveis
implorando clarividências
incitando animais nocturnos
e mistérios e sinuosas grutas de coral
onde exultava o aroma
da tua púbis que me consumia
e que eu sabia de cor
sobrevoando numa sofreguidão
de estrelas cadentes
pairando na paciência sem limites
das aves de rapina.
Foi depois ou foi antes
o deflagrar das palavras
ininteligíveis e entrecortadas
a inclemência dos teus punhos
e a lâmina das tuas unhas
desenhando-me na pele
intermitências de pássaros
a têmpera e os unguentos
o suor e a raiva e o sangue vivo
e as tempestades.
Conjugando todos os tempos
e estações
inventámos por inteiro
esses momentos incontinentes
dos poemas intrépidos.
O teu olhar humedecido
revejo-o único e eterno
e irrepetível
na ancestral rota da seda
a perder de vista
a caminho do espanto.
Toda a perigosa distância
e o desconhecido
se mediam a partir de ti
meu espartilho
e minha solidão libertadora
que tendo sido poderá voltar ser
na eloquência dos teus gemidos
agora em forma de silêncio
uma serena melancolia
infinitamente presente.
Lisboa, 11 de Agosto de 2012
Carlos Vieira
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