segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Diagnóstico: fractura do fémur




Suas mãos frágeis

são o último esplendor do verão

pousadas nas minhas

pequenos pardais delicados

sem ritmo

desafinados

ou quedam-se na cansada

ternura dos jogos de luz

que se lhe escapa entre dedos

e a fractura.



Seus olhos tristes

a desaprender a vida

pássaros mínimos

e sempre tão brilhantes

que foram álacres

e agora tão mais ávidos

da fractura  

dos ramos e das flores

e da fruta madura



Tua boca de ave

tão pequena

tão poupada de todos os beijos

tão sofrida

das intempéries dos grandes voos

e de todas as mortes

tão só das poucas palavras

de nomear

as dádivas luminosas

que irrompiam das suas mãos

curando tantas dores

e tantas fracturas

o mesmo milagre

do pão e das rosas





Na geografia do teu rosto

aqui tão perto do meu

aqui estás neste ângulo

de há tantos anos esquecido

exactamente

180º à minha frente

enquanto pela primeira vez

te dou desajeitadamente

uma colher de sopa

e nela avalio

o gesso das fracturas

de todas as mães.



Fico à tua espera

daquele teu golpe de asa

em forma de sorriso

durante todo o tempo da visita  

pela primeira vez ali estás

sortilégio de carne e osso

entre lençóis brancos

minha flor renascida

minha mãe mais dura

heróica e triste

que a mais esta fractura

da vida resiste

no meio do meu poema

levanta-se e anda.





Leiria, 18 de Agosto de 2012

Carlos Vieira



                                                                   Chagall – “Flight”


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