Nunca cheguei a perceber, por que
razão, o lobo polar esta noite me procurou. As alterações climáticas podem
explicar, a diminuição da calote polar, a globalização, a qual, invadiu o nosso
quotidiano dos mais bizarros personagens e, as nossas noites, de toda a qualidade
de fantasmas. Mas não é de excluir, o argumento mais comezinho do aroma mais
activo de um “happy meal”, atirado no quintal do vizinho ou de um jantar, em
preparação.
De qualquer forma ele ali está,
nesta amena noite de Verão, a quilómetros das temperaturas abaixo de zero, farejando
por debaixo da tinta preta da esferográfica, as únicas pegadas que deixa, são
as letras do abecedário.
Na penumbra onde se encontra, olha
numa serena curiosidade, ora para a espantada luz branca do candeeiro, ora para
as imagens animadas de um programa de televisão reflectida numa janela, eu
espero para ver, quem é que dá o passo seguinte.
Por momentos, achei que era uma
alucinação, pois as pessoas passavam no passeio e nem sequer paravam, depois
percebi que as pessoas dos subúrbios e das cidades, não se metem na vida dos
outros, tem muitos outros problemas e mais motivos de interesse que um lobo
polar, perdido da alcateia ou aparentemente marginalizado, sendo verdade que
cada pessoa alimenta um ou mais animais exóticos na banalidade da sua vida.
Percebendo que dos inúmeros
sinais da noite, apenas a minha silhueta reagia à sua presença, dirigiu-se ainda
que desconfiado, para junto do jardim da minha casa e uivou de uma forma que me
era familiar, dir-vos-ei que daquela insólita serenata, deduzi que a fome nos
transforma humanos em animais e vice-versa, mas que também a abundância pode
ser muito empobrecedora na interpretação dos sinais.
Daí a pouco, o pobre bicho
arranhava a porta das traseiras da minha casa e gania implorando de uma forma
que me humedeceu o coração, um pouco temeroso decidi-me recolher e alimentar o solitário
lobo polar, um pouco negligente confesso, em relação ao valor científico da
ameaça que representava para a espécie humana e reduzindo a uma interpretação simplista,
o facto, da minha pessoa poder pertencer ou não à dieta do animal.
Abri a porta e foi então que a
minha gata persa branca apareceu, surpreendentemente, regressada da minha
adolescência e deixou ali a os meus pés, um pássaro que tinha caçado, nem
sombra de lobo polar, no final ao abrirmos porta da nossa casa, nunca sabemos o
que podemos libertar ou quem convidamos a entrar.
Lisboa, 23 de Agosto de 2012
Carlos Vieira
“white and white” by RoxiYuki