sábado, 7 de julho de 2012

Excentri(cidades) I



corre

um homem nu

no meio da avenida

das buzinas estridentes

todos os homens e mulheres

correm nus

o polícia acorre diligente

a mulher de meia idade sorri

consumida pelo pudor

outra mulher idosa afasta-se

como se tivesse visto o fantasma

de si própria

nas janelas dos escritórios

estavam dependurados os rostos

de um anónimo encantamento

que faltava nas colunas do deve e haver

nas lojas de pronto-a-vestir

houve um intervalo no toque dos tecidos

e os clientes vestiram-se rapidamente

ninguém o reconheceu

um homem como Deus o deitou ao mundo

é muito mais difícil de reconhecer

há muito mais probabilidade de um homem nu

poder ser louco, foragido, exibicionista, libertário

nunca seremos nós mesmo

ele lá prosseguia na caricata dança das “partes”

e mantinha uma distância razoável

do esbaforido homem da lei

até que por fim o homem

se escapuliu por a ruela

o polícia desistiu

e à avenida

regressou a crucificada normalidade

e ao esquecimento

aquela nudez marginal



Lisboa, 7 de Julho de 2012

Carlos Vieira



               “Homem Vitruviano” datado por volta de 1490 de Leonardo Da Vinci (1452-1519)

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