terça-feira, 3 de janeiro de 2012

“Moon River” por Toni Grote


Apontamentos para uma écloga

Ali vai o rio
por mais voltas que dê
voltará sempre às margem de si mesmo
tão autêntico
sempre coerente no seu rumo
tão sem história

aliás como as árvores que se observam em adoração
no espelho de água
tão felizes de si próprias

os peixes de prata sempre melodramáticos
pois as aproveitam para se enforcarem nos galhos
e provarem da cicuta das flores

desde a nascente até aqui trouxe tudo consigo
como se a vida fosse apenas essa acumulação
de gente, de objectos, de sítios onde passamos e não
aquilo que pelo caminho deixamos

esta corrente também me levou por instantes
não pela sua força
mas pelos reflexos e alquimia dos pigmentos
com que decompõe as paisagens e os pensamentos
que te trazem de volta

quanto se torna difícil
hoje como ontem
lutar contra a corrente
que emerge no teu corpo
ponte deitada sobre o seu leito
pois tu sempre foste o rio que quis atravessar

quando te olho nunca sei para onde vais
porque tudo o que passa por nós
passa sem destino, sem foz
sem dono, nem país, afinal
são rios, todos filhos perdidos
de regresso ao mar

despedes-te do meu olhar
e fica a tua memória em viagem
alagada dentro de mim
ou foste tu que vi
na outa margem

Lisboa, 2 de Janeiro de 2012

Carlos Vieira



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