sábado, 26 de maio de 2012
sexta-feira, 25 de maio de 2012
O momento
"A rapidez que as pessoas imprimem às suas vidas faz com que simplifiquem a realidade e fabriquem o que se chama a «personalidade do momento». Sobretudo nos políticos e homens à escala governativa, isso exprime-se por manifestações impulsivas, peculiares a cada hora, vinculadas às situações proteiformes."
Agustina Bessa Luís
Agustina Bessa Luís
A vida de passagem
Conta-se que no século passado, um turista americano foi ...à cidade do Cairo, no Egito, com o objetivo de visitar um famoso sábio.
O turista ficou surpreso ao ver que o sábio morava num quartinho muito simples e cheio de livros. As únicas peças de mobília eram uma cama, uma mesa e um banco.
- Onde estão seus móveis? - perguntou o turista .E o sábio, bem depressa, perguntou também:
- E onde estão ...os seus...?
- Os meus?! surpreendeu-se o turista.- Mas eu estou aqui só de passagem!
- Eu também... - concluiu o sábio.
"A VIDA NA TERRA É SOMENTE UMA PASSAGEM... NO ENTANTO, ALGUNS VIVEM COMO SE FOSSEM FICAR AQUI ETERNAMENTE, E ESQUECEM DE SER FELIZ."
O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis'.
(FERNANDO PESSOA)
O turista ficou surpreso ao ver que o sábio morava num quartinho muito simples e cheio de livros. As únicas peças de mobília eram uma cama, uma mesa e um banco.
- Onde estão seus móveis? - perguntou o turista .E o sábio, bem depressa, perguntou também:
- E onde estão ...os seus...?
- Os meus?! surpreendeu-se o turista.- Mas eu estou aqui só de passagem!
- Eu também... - concluiu o sábio.
"A VIDA NA TERRA É SOMENTE UMA PASSAGEM... NO ENTANTO, ALGUNS VIVEM COMO SE FOSSEM FICAR AQUI ETERNAMENTE, E ESQUECEM DE SER FELIZ."
O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis'.
(FERNANDO PESSOA)
quinta-feira, 24 de maio de 2012
Oximóron
sóbria
quase nua
porque despida
de quase tudo
mulher da vida
quase morte
ávida
Lisboa, 24 de Maio de 2012
Carlos Vieira
“Elegant Corrosion” Winterbottom
quarta-feira, 23 de maio de 2012
terça-feira, 22 de maio de 2012
lapidação
flores secas à tua volta prostradas
sob a pedra da primavera da vida
estou sentado no murmúrio da raiva
e tu cresces nos espinhos e das ervas
tão quieta derrotas a terra dura
depois de apedrejada dormiste
debaixo do frio e da pedra macia
e triste por minha mão cega atirada
na tua morte hoje és a ave lapidar
e o seu canto o bater do coração
onde te ouço de novo sem perdão
o mais puro beijo das cerejas exultar
Lisboa, 22 de Maio de 2012
Carlos Vieira
“stoning woman”
segunda-feira, 21 de maio de 2012
domingo, 20 de maio de 2012
Amor de Verão
Tão leve, no fim da noite subtil onde te encontrava por acaso, conseguia ler nos teus lábios o início da madrugada, entre conchas e grãos de areia, sorrias como se fosses inacessível e continuavas a pedalar nessa bicicleta que tinha arrumado na memória, junto dessa gaivota em que te desvendava a raspar as dunas da véspera
Hábil era teu gesto tranquilo que erguia o astro lúbrico e provocava outro solstício, na destreza de dedilhar os minutos, depois de teres dormido com o tempo.
Naquele banco de madeira em frente ao mar, tu eras muito mais calma e experiente que a palmeira secular. Da tinta lascada eu desviava os barcos que se dirigiam a ti e desprendia o teu rosto das redes de pesca.
As ondas, na altura, caiam logo ali tímidas, aguardando um deslize dos teus pés macios no gume dos seixos.
Lembro-me que um dia a chover desesperadamente na praia do passado, também chovia na esplanada quase deserta, tu estavas de pé, bem presente, molhada, tu estavas de costas, o mar cinzento estava em frente, espiava-nos a todos, tu a escorrer desafiava-lo, ostensivamente.
Chegou um navio cruzeiro e o mar escondeu-se nas falésias, alguém mandou observar-nos por uma escotilha a estibordo, tentando perceber a fundo, a razão da nossa distância. Tu sabias que o maior perigo podia advir daqueles que se mantém distantes, sem razão aparente.
Depois vieste à noite, eu descortinava-te nesse engano das luzes, na forma como a aprisionavas, na ternura de filigrana das tuas mãos.
Nesse tempo fazias os navios enlouquecer, que se perdiam na solidão dos rochedos, nesta história que recordo tu eras apenas minha, o meu farol e a minha âncora.
Por vezes, voava nas tuas mãos pelo pinhal, ficava colado ao doce perfume da resina do teu tronco, os teus beijos afogueados e as exclamações selvagens e incompreensíveis do teu gozo, afoguentavam todos os animais e deixávamos moldado na areia, a tempestade dos frenéticos movimentos de um amor precário, a seguir devorámos camarinhas.
Antes disso tentei perceber, descolar suavemente todas aquelas camadas de memórias de anos de praia, limpá-las cirurgicamente, tentar compreender, as nossas primeiras palavras. Finalmente, percebi tardiamente que as primeiras palavras eram os nossos olhares.
No meu coração ousei, o primeiro gesto de Setembro, eu temia-te breve, o teu último gesto de amor foi o teu adeus que entendi como um abraço sem fim.
Lisboa, 20 de Maio de 2012
Carlos Vieira
sábado, 19 de maio de 2012
sexta-feira, 18 de maio de 2012
amantes da madrugada
olho-te seminua
acendo sílaba a sílaba
o diálogo da tua pele
com os meus lábios
arde o cristal e o mel
e de pálpebras cerradas
arde o sal pousa teu odor
e dentro de mim cresce
o rumor de um vulcão
tu impaciente esperas
vais ateando o fogo
mordes a madrugada
até que a tua língua afiada
desperta por fim em êxtase
no meu peito aflito
o último desejo
o mais duro de mim
na noite do teu corpo
assim germina o primeiro
raio de sol e um beijo cego
cala o primeiro grito
Lisboa, 18 de Maio de 2012
Carlos Vieira
“Lovers” de Ernst Ludwig Kirchner
quinta-feira, 17 de maio de 2012
Devaneio de um anarquista
a festa era a todo comprimento do teu corpo nu
ente a vereda do feno e da sesta
um muro e o antigo trilho
por onde emerge a serpente lesta
um conto lânguido de futuro
era o alabastro do teu seio
um eco de leite
a foz
oiço ao longe
o pungente clarim
tornear o ombro da paz
onde descanso e encosto a arma
um apelo fugaz da alma
depois do estampido
uma revoada de pombas
levantando um véu de espanto
de liberdade
que coincide
com o cair da máscara
e do encanto
de ti mulher nua e despojada
serás sempre a notável persistência
das ondas na praia
és ainda o meu argumento
impossível de espuma
fulminante galáxia
de razão e de coragem
onde vou tateando
onde vou de viagem
pelo planalto
pela fragrância
do teu baixo ventre
e aí nessa trincheira
dos desprotegidos
defendo no compromisso
outra distância
outros tratados
de vencer a ganância
a incrível sedução dos nós
da madeira
dos dedos entrelaçados
na inegável pertinência
e audácia
a poesia do teu sangue tão azul nos mapas
onde inventámos os lugares dos abraços
depois acordávamos
de mãos dormentes
com o galope dos cavalos
de freio nos dentes
pelos prados
nas curvas de nível
numa insensatez de beijos
acreditávamos e sabíamos de tudo
seguíamos um rumo
de olhos fechados
Lisboa, 16 de Maio de 2012
Carlos Vieira
Fernando Pessoa “O
Homem é do tamanho do seu sonho”
terça-feira, 15 de maio de 2012
Demência (1)
Bateram à porta e bateu o meu
coração, tem meses que não os oiço, nem as pancadas, nem o coração. Estou cada
vez mais velho e mais surdo. Quem poderá ser, a estas horas, o que pode ser?!
Espreito pelo óculo embaciado, espreito
o rosto vagamente familiar que sorri do outro lado do mundo. Será um anjo ou a morte.
Tudo me parece muito suspeito que venha sem avisar. Não abro a porta a estranhos.
Agrada-me este silêncio na casa,
de cada ruído ter apenas a minha explicação, a minha respiração e a intermitência
dos carros no fim da noite, da rua e a merda da torneira que pinga. A vizinha
de cima discute, de forma aberta, a sua infidelidade e a do marido. Amor com amor se paga.
Gosto dos livros sobre a mesa desfraldados
na corrente de ar, do cd que avança às voltas até se perder, no labirinto que
criou. Onde raio se meteu a chave da despensa. Lembro-me no entanto, do toque
suave da tua camisa de seda e da tranquilidade com que te despias e eu já não
encontrava a saída.
Depois desapareceste, num ápice a
tua silhueta curvou-se e entrou para aquele luxuoso carro preto que te veio
buscar. Naquele dia chovia ou foram lágrimas que eu requisitei para aquele momento.
Desde sempre cultivaste uma certa mania da perseguição.
O tempo veio mesmo a propósito e
quase consegui apagar-te. Apenas deixaste detalhes, coisas marginais, aos teus
olhos e olhar sucederam-se coisas maiores, relâmpagos e trovões, depois de ti, seguiram-se
mais tempestades e o Inverno aconteceu mais vezes do que aquilo que era comum e
foi o dilúvio.
Fico aqui a aguardar, no fundo
foste tu que me conquistaste e fui eu que te perdi, não existe pior conjugação
de resultados, pelo menos, podia haver uma forma de te desentranhar deste quarto
e do teu perfume não estar sempre tão presente.
Neste caos em que o mundo para
mim se transformou, a espaços reencontro-te aqui em casa, não te raptaram
completamente, fui sobretudo eu que te deixei meu amor, tu sabes o caminho do meu
coração e tu deixaste de habitar a minha memória.
Lisboa, 15 de Maio de 2012
Carlos Vieira
segunda-feira, 14 de maio de 2012
Post-it’s
não te esqueças
de fechares a janela
gostava de ver-te espreguiçar
sobre aquela invasão do canto dos grilos
e o omnipresente perfume das nêsperas
de permeio
podes proclamar breves palavras
e elas serão para mim
a senha e contra senha de acesso ao infinito
do teu corpo e alma
de onde nunca saí
não te esqueças
se a brisa soprar fica quieta
para que te possa vislumbrar
nos teus cabelos compridos
e sobrevoar o claro escuro
dos teus ombros nus
ou será do teu pescoço?
sempre tive medo das alturas
tu és o peso exacto
neste instável equilíbrio
das nuvens
do pensamento
onde sobrevivo
com raiz no teu olhar
só me interessa a tua plenitude
não te esqueças
que os gatos devem ficar na rua
e os deuses também
pendurados nas árvores do jardim
a espreitarem os lagos
nessa aprendizagem difícil e nocturna
do convívio com os pássaros e os peixes
permitindo que te possa de novo ver acordar
cuidando que o teu esplendor
seja maior que a madrugada
não te esqueças
toma um banho de imersão
e toca piano
cuidado não te vás afogar
naquele sonhado andamento
onde nos deixámos
ou te falte o ar
numa bolha de solidão
e tu seja apenas
a cor que me perde
a espraiar-se morena
no território da tua pele
vencendo a água
libertando-se do vapor
e da carne
não te esqueças
deixa a luz da varanda acesa
para que os insectos e as feras
sofram do desespero da tua ausência
e te abandonem definitivamente
e tu fiques ali
pairando
sem nunca te entregares
sem nunca seres só pra mim
não te esqueças
podes ler umas tantas páginas de um clássico
e depois põe aquele sorriso ténue
de olhar distante
saberei do perfume dos teus dedos
virando a página
nas entrelinhas eu vou escrever
secretamente
outro alinhamento para o espaço
do amor possível
não te esqueças
despe a tua camisa de dormir pérola
com motivos chineses
como se fossem folhas de cerejeira
e se te olhares ao espelho
eu ficarei de novo cego
entre a nudez espelhada e a outra
sem saber qual a diferença
a fronteira
sem saber se tu existes
sem ouvir o que se diz
o amor sempre desvanece
na coisa amada
não há país real
Lisboa, 14 de Maio de 2012
Carlos Vieira
domingo, 13 de maio de 2012
sábado, 12 de maio de 2012
Fragmentos de desejo
pressinto
nos meus lábios
o teu corpo a levitar
perde-se na boca
a frase inacabada
do espanto
nasces de novo para mim
após amansar o vento
és uma memória que me morde
oiço o animal
oiço cada partícula
em que eras porcelana
e a frescura do afago
atravessas o sabor
da longa espera
que é a queda do fruto
na frágil verdura da erva
na tua nudez imaculada
ali se oculta o apelo
se acende o perplexo aroma
incrédulo escorre o sumo
sobre a lâmina
num fulgor de silício
espeto até ao mais fundo
o gume do silêncio
até se soltar um grito
na alforria que te concedo
dentro de mim
dentro de nós
o desejo que adormece
é um punhal saciado
Lisboa, 12 de Maio de 2012
Carlos Vieira
“Fragmentos de Sandra Berube” por Patrick Rochon
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Clarabóia
Abro uma clarabóia no poema que permite a luz entrar
e pode ainda fazer desabrochar a palavra mais sombria
cessando aquela sensação de falta de ar e de claustrofobia
pois se um dia as palavras forem a prisão que construímos
que possamos fugir pelo túnel e raízes do amor que cuidamos
Lisboa, 10 de Maio de 2012
Carlos Vieira
Clarabóia no cubículo das Estações; Catacumba de São Calisto,
Roma
quinta-feira, 10 de maio de 2012
terça-feira, 8 de maio de 2012
Poema casulo
particulares afinidades
de larva
ao fingir-me de morto
senti algum formigueiro
neste gostar de morder a terra
desses bichos anónimos
gosto de observar-lhe
a azáfama
de senti-los “álacres e sedentos”
de sabê-los virgens e de me sentir Deus
e vê-los sem me verem a processar o bem e o mal
a larva leva aquela vida pacata e precária
fingindo não saber
do seu poder de nos levar à morte em minutos
neste entretanto daquele seu reino das trevas
vi fugir da cultura da lamela
pelo microscópio um calmo cientista contaminado
devorando inexpugnáveis matérias
entre nuvens de bolor e náusea
entre odores pestilentos
produz em laboratório o mais puro silêncio
esse bálsamo que nos ressuscita
inúteis sonhos casulos de borboletas
a larva que se impregna na madeira
que não é visível a olho nu
dissimulada ou discreta
de qualquer maneira é verme miserável
execrável voyeur que durante o sono
da mesinha de cabeceira me parasita os sonhos
peguei numa amostra e observei a larva
de todos os ângulos e a diversas horas
surpreendido
verifiquei que o ínfimo animal
me olhava desconfiado mas sempre com ar superior
de quem pensa mais tarde ou mais cedo encontrar-nos-emos.
Lisboa, 7 de Maio de 2012
Carlos Vieira
“Parasitism lover” por sheepxxx
segunda-feira, 7 de maio de 2012
domingo, 6 de maio de 2012
Mãe
Mãe, de pressentir-te o voo no olhar atento
eterno
dos dedos que te beliscam o pescoço
que te “orelham”
a desenharam a elipse oval da ternura
oiço-te em oração
ou será numa canção de embalar
sei que em tudo foste o barco
que partiu ao nosso encontro
não esqueço o teu rosto a pairar na areia
enquanto ancorado no peito o grito
do testemunho lento e aflito
medes de novo a temperatura
que te não dá descanso
no teu gesto manso
sem sintomas
sem queixas
de temperar a pressa e a raiva e a angústia
do momento
de um qualquer banco de hospital
a tua mão que compõe as últimas madeixas
que vira a página da história
e faz de pássaro
na luz de candeeiro
a esvoaçar em todas as sombras
a exorcizar todos os medos
pões água na fervura do tempo
na torneira do banho
aqui estás e ali ficaste
aquém do silêncio do esquecimento
de regresso à gramática doce
à alegria das primeiras palavras
acompanhas as filhas rasa de lágrimas
por dentro
ou de sorrisos por fora
sentada no rectângulo da cama
acolhes a todos
curvada sobre o ângulo recto da justiça
enquanto a borbulha feia cresce
e a ferida infecta
esperas-nos no infinito limite da tua paciência
fazes cinquenta esperas e consultas por ano
e milhares de análises de resultado imprevisível
aqueces mais uma vez a sopa
o leite meio gordo
e tratas o caos que te perturba
por todos os cantos da casa
e da tua fragilidade
compreendes a falta de atenção
de nos ausentarmos quando tanto precisavas
arranjas um último beijo
no fim do dia
do carinho, da compaixão e de coragem
de uma vida
ainda vamos passear pela tua mão
conhecer o mundo
enquanto aconchegas o cobertor.
Lisboa, 6 de Maio de 2012
Carlos Vieira
“Mãe e Filho” de Gustave Klimt
Discussão
- Desconfio que a democracia não resulta. Juntam-se astronautas,
bodes, camponeses, galinhas, matemáticos e virgens loucas e
dão-se a todos os mesmos direitos.
Isso parece-me um erro cósmico. Desculpa.
Desculpei mas fiquei ofendido. Que a democracia era aquilo
mesmo, e ainda com conversa fiada como brinde, isso sabia eu.
Que mo viessem dizer, era outra coisa.
Fiquei ainda mais ofendido, até porque não gosto de erros cósmicos.
Acho um snobismo.
- Eu sou democrático - rugi entre dentes, como resposta. - Tenho
amigos no exílio, todos democráticos.
Foram para lá por serem democráticos.
É um sacrifício que poucos fazem, ir para o exílio e ser professor
universitário exilado e democrático.
Eras capaz de fazer isso ?
- Não sou democrático.
Não havia resposta a dar. Nenhuma. Ele não era democrático, não
sabia de democracia.
Eu sim, sou democrático, até já quis ir à América, que me
afirmaram que lá é que é a democracia.
Recusaram-me o visto no passaporte, disseram
que eu era comunista!
Viram isto ?
Mário Henrique Leiria
Contos do Gin-Tonic
sábado, 5 de maio de 2012
O crime perfeito (I)
no leito entreaberto o lençol era
um enorme jarro flor, de onde escorria o marfim que já foi anterior ao gestos
de despertar e se prolongava na camisa de dormir que escondia o corpo frágil. uma
rosa de sangue parecia levar a luz dos caracóis loiros. pétalas de luz floriam
nas frinchas da persiana e acendiam a metade da água que repousava na jarra de
vidro sobre a mesa de cabeceira. aí havia muitos comprimidos completamente brancos
semeados no caos. um choro ténue de mãe ou de filha surgiu como um riacho debaixo
da porta com foz num aposento contíguo. havia aquele intruso no espelho que era
eu. que fazia ali a usurpar a cumplicidade doce e morna da madrugada deste
quarto? somente aquele cheiro recente de pólvora me era familiar e que apontava
para que algures calada, se poderia encontrar a flor fatal, até que no
esquadrinhar minucioso do olhar ela ali estava, de prata caída, depois da última
primavera de fogo, a pistola tinha adormecido num sono solto, sob o tapete creme de angorá, planeando outra
trair a vida noutro jardim interior.
Lisboa, 5 de Maio de 2012
Carlos Vieira
Jessye Norman : "La Mort de l'Amour" (Poème de l'Amour et de la Mer) by Ernest Chausson (Part 1/2)
Poème de l'amour et de la mer, op. 19 (poem by Maurice Bouchor,1855-1929) / Poem of Love and the Sea / Das Lied von der Liebe und vom Meer)
I- La Fleur des eaux
II - La Mort de l'Amour
Jessye Norman, soprano
Lane Anderson, cello
Orchestre Philharmonique de Monte-Carlo
Conducted by Armin Jordan
Bientôt l'île bleue et joyeuse
Parmi les rocs m'apparaîtra;
L'île sur l'eau silencieuse
Comme un nénuphar flottera.
A travers la mer d'améthyste
Doucement glisse le bateau,
Et je serai joyeux et triste
De tant me souvenir Bientôt!
Le vent roulait les feuilles mortes;
Mes pensées
Roulaient comme des feuilles mortes,
Dans la nuit.
Jamais si doucement au ciel noir n'avaient lui
Les mille roses d'or d'où tombent les rosées!
Une danse effrayante, et les feuilles froissées,
Et qui rendaient un son métallique, valsaient,
Semblaient gémir sous les étoiles, et disaient
L'inexprimable horreur des amours trépassés.
Les grands hêtres d'argent que la lune baisait
Etaient des spectres: moi, tout mon sang se glaçait
En voyant mon aimée étrangement sourire.
Comme des fronts de morts nos fronts avaient pâli,
Et, muet, me penchant vers elle, je pus lire
Ce mot fatal écrit dans ses grands yeux: l'oubli. ]
Le temps des lilas et le temps des roses
Ne reviendra plus à ce printemps-ci;
Le temps des lilas et le temps des roses
Est passés, le temps des oeillets aussi.
Le vent a changé, les cieux sont moroses,
Et nous n'irons plus courir, et cueillir
Les lilas en fleur et les belles roses;
Le printemps est triste et ne peut fleurir.
Oh! joyeux et doux printemps de l'année,
Qui vins, l'an passé, nous ensoleiller,
Notre fleur d'amour est si bien fanée,
Las! que ton baiser ne peut l'éveiller!
Et toi, que fais-tu? pas de fleurs écloses,
Point de gai soleil ni d'ombrages frais;
Le temps des lilas et le temps des roses
Avec notre amour est mort à jamais.
Barbara Hendricks: "Chanson triste" by Henri Duparc
"Six Mélodies avec orchestre"
- Chanson triste / Melancholy Song
Text: Jean Lahor
Barbara Hendricks, soprano
Oslo Philharmonic Chorus
(Terje Kram, Chorus Master)
Oslo Philharmonic orchestra
Conducted by Esa-Pekka Salonen
Oslo, 1987.
Dans ton cœur dort un clair de lune,
Un doux clair de lune d'été,
Et pour fuir la vie importune,
Je me noierai dans ta clarté.
J'oublierai les douleurs passées,
Mon amour, quand tu berceras
Mon triste cœur et mes pensées
Dans le calme aimant de tes bras.
Tu prendras ma tête malade,
Oh! quelquefois, sur tes genoux,
Et lui diras une ballade
Qui semblera parler de nous;
Et dans tes yeux pleins de tristesse,
Dans tes yeux alors je boirai
Tant de baisers et de tendresse
Que peut-être je guérirai.
- Chanson triste / Melancholy Song
Text: Jean Lahor
Barbara Hendricks, soprano
Oslo Philharmonic Chorus
(Terje Kram, Chorus Master)
Oslo Philharmonic orchestra
Conducted by Esa-Pekka Salonen
Oslo, 1987.
Dans ton cœur dort un clair de lune,
Un doux clair de lune d'été,
Et pour fuir la vie importune,
Je me noierai dans ta clarté.
J'oublierai les douleurs passées,
Mon amour, quand tu berceras
Mon triste cœur et mes pensées
Dans le calme aimant de tes bras.
Tu prendras ma tête malade,
Oh! quelquefois, sur tes genoux,
Et lui diras une ballade
Qui semblera parler de nous;
Et dans tes yeux pleins de tristesse,
Dans tes yeux alors je boirai
Tant de baisers et de tendresse
Que peut-être je guérirai.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
Os novos respigadores
Vasculhar, esse verbo que pode remexer no mais sórdido da natureza humana, nesse lado mais negro que nos acompanha na descida aos infernos ou na subida aos céus, no preconceito e no limite da tolerância que cultiva a escória, mesmo quando, seraficamente se vai podando e regando o roseiral.
Vasculhar, o caixote do lixo da história com as mãos de gardunho do futuro, de gadanho da fome, no interlúdio da morte, contígua a esta abominável decomposição da imundície do presente.
Os cães rafeiros são, neste cenário, o elemento que se considera mais próximo do humano, quiçá superior e são estes que nos ensinam agora, o mais elementar respeito pelas leis da sobrevivência.
Vasculhar, sentir o cérebro latejar no lado de dentro do silêncio, do desespero, indagar de forma veemente o nada, o inevitável, passar a pente fino, toda a mixórdia das hipóteses e dos lugares e, no regresso, de mãos aranha lívidas e de unhas negras, a abanar, ainda acreditamos ser possível o tecer do sonho, e virar do avesso a nossa inconsolável casa das ilusões. Dentro de nós existem fraquezas que desconhecemos.
Vasculhar, nesse emaranhado novelo de angústia ou atlas da memória onde quase nos perdemos definitivamente da esperança, depois do labirinto onde entramos. Andamos à volta de nós, procurando outro final para o fim onde nos encontramos.
Neste jardim das oliveiras, lá vamos confinando o medo onde definhamos, de forma a adiar o início da viagem sem regresso que cada vez, de forma mais assídua, nos confronta com aquilo que melhor resiste, o pior de nós mesmo.
Finalmente, depois de tanto vómito, de nos habituarmos a frequentar o esgoto e a sargeta, de tanto transigir, naquilo que juramos a pés juntos ser o nosso último reduto de dignidade, após tanto excremento na ventoinha, depois de tanta morte adiada, de todo esse estrume, as mãos em estrela dos novos respigadores vão fazer irradiar, a madrugada de uma bela e pequena flor sem nome, propagando o perfume da compaixão e das ideias, o contágio da corola de um sorriso audaz, o seu frágil caule vai-nos despertar para a alegre energia dos caminhos e dos espelhos, permitindo evitar a aridez desumana dos atalhos e a nossa sombra pegajosa de caçadores dos pântanos.
Lisboa, 3 de Maio de 2012-05-03
Carlos Vieira
Um homem respigando numa lixeira da Venezuela no site “Requiem of Human Soul”
terça-feira, 1 de maio de 2012
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