segunda-feira, 7 de julho de 2014

Acrobacias II



Dois pastéis de Belém
duas fatias de Tejo
na perpendicular
à torre
42 chineses
de olhos em bico
com a nossa história
em fila indiana
a entrar nos Jerónimos
que se distendiam na sua letargia
de réptil de calcário
em manhãs de sol
a Sportínguiada prosseguia
com os saltos mortais
e a ginástica de todos os dias
e as espáduas e os troncos
por meio dos mastros e das velas
e das nuvens
e das copas dos pinheiros mansos.
Sem canela não é a mesma coisa
e as reflexes a disparar
a preservar
os mais inacreditáveis momentos
seja imensamente breve
e à sua volta
em harmonia a "fast food"
o turista pergunta
ao português
cada vez mais estrangeiro
no sua própria terra
enquanto lhe resta país
venha ver as estrelas
aqui é o planetário
deixe-se levar
planar
"Les flaneurs"
enquanto não acabam as estrelas
vive-se esta industentável leveza dos dias
a leviandade
e a articulada sabedoria das flores
no seu diálogo
de seiva e bater de asas
com as aves e os insectos.
Gosto dos pastéis
um pouco mais queimados
a Matilde prossegue
no seu gesto pelo ar
de conhecimento do mundo
indecisa
entre a acrobática e a aeróbica
na ilusão dos automatismos
à minha frente o cão rafeiro de Pavlov
olha para mim com os olhos mais tristes
do seu teatro absurdo
eu condicionado
dei-lhe um bocado de bolo.
O segredo está na massa folhada
o café está a arrefecer
e as caravelas estão a chegar
regressando da viagem
ao centro
de nós próprios
depois que nos demos aos vários mundos
de mapa em punho
o turista desorientado
olha ora estarrecido
ora preocupado perante a paisagem
e os homens monumentais
que se lhe apresentam
e uma criança que corre
na sua brincadeira apátrida
desconhece os perigos que a espreitam
que a esperam
entretanto vive com toda a intensidade
que a ignorância e os imperfeitos conhecimentos
lhe permitem
e a minha filha termina a exibição
em espargata
por cima dos ombros
de um fado
onde acabam também
os meus versos.

Lisboa, 5 de Junho de 2014
Carlos Vieira




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