quinta-feira, 31 de julho de 2014

Dias de bruma III


Dias de bruma III

Assomam à porta
dois figos ainda verdes
e adeuses de amoras 
à janela
meia dúzia de telhas
forradas a musgo
e um dragoeiro
equilibram-se
no muro frontal
que sobrevive
os pássaros
e as borboletas
entram 
sorrateiros
sem pedir licença
as ruínas desta casa
tem os seus alicerces
na minha cabeça
reconstruo-a de cor
com a ajuda
imprescindível
do coração
em linha recta.

Lisboa, 31 de Julho de 2014
Carlos Vieira






Dias de bruma II



deitou-se
sobre os grandes seixos 
cinzentos
beijados pelo mar
nuvens caídas do céu
nas grutas
do seu sono pesado
escondem-se
peixes esplendorosos
e soltam-se da bruma
os seus sonhos 
tão leves
de um azul celeste
debruados de espuma

Lisboa, 31 de Julho de 2014
Carlos Vieira


segunda-feira, 28 de julho de 2014

Dias de bruma I



cai sobre a tua ausência e a terra a chuva impenitente
dos pássaros que cantam indiferentes não identifico nem um
sobrevivo em suspenso do aroma das árvores, flores e frutos 
e na breve abóbada do teu silêncio
enquanto isso desaparecem a estrada, as casas,os rostos, as palavras
como se fosse possível o êxodo desta ilha
apenas a bruma e algures a presença dos abismos
no caos em que por vezes nos cercam os sentidos 
por ti fiquei cego e a tactear pressinto que o vazio 
pode ser uma espécie de morte
contudo resta-me a coragem ou a lucidez 
de saber que algures está pousada a tua mão meu amor
e que por esse caminho de espinhos e emboscadas 
resiste a esperança de passar incólume 
por esse istmo que apela à força da natureza 
ou à frágil subtileza do coração


Santa Rita, 28 de Julho de 2014

Carlos Vieira

sábado, 26 de julho de 2014

Pássaros breves...

Pássaros 
breves
da madrugada
em precário
equilíbrio 
nos fios de telefone
silenciosamente
testemunham
em paralelo
as pausas da saudade
e o acaso
da distância.

Lisboa, 26 de Julho de 2014
Carlos Vieira


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Flor do aloés



ergues-te acima 
das espessas línguas 
de clorofila
erecta 
como se fosses
a flor única do aloés
vermelha
e tu és aquele grito
que entra pelas janelas 
adentro
de par em par
abertas às intempéries
e dali 
traças a bissectriz 
doutro espaço 
onde apenas existe
o tempo
de beijar o vento

Lisboa, 25 de Julho de 2014


Carlos Vieira

Debaixo do Pico da Esperança...

Debaixo

do Pico da Esperança
a persistência de um castanheiro
o gato afia as unhas
no seu tronco
depois enrola o seu rabo
nas pernas
e nas histórias
que perduram numa cadeira
com forro azul petróleo
espera pacientemente
no desencontro das estações
que os ouriços
libertem as castanhas
e esgarça as nuvens do Pico
com suas garras
impotente perante o desafio 
do canto dos pássaros
que fazem nesta manhã
o acompanhamento 
da chuva de Verão.

Santa Rita, 25 de Julho de 2014
Carlos Vieira

terça-feira, 22 de julho de 2014

Incomunicável...

incomunicável
sem palavras
sem rede
Santa Rita, São Jorge, 22 de Julho de 2014
Carlos Vieira



domingo, 20 de julho de 2014

O lento caracol



o lento caracol 
sobe a cana
é subtil o rasto
que desenha
no orvalho
e imperceptível
a folha 
que estremece
estandarte
rumor verde
por cima
das translúcidas
amoras
que aguardam
serenas
a clarividência
azeviche
dos melros
e o insaciável
esmalte
dos teus dentes
enquanto
o vagar
dos meus dedos
te enlouquece
depois da noite 
de espinhos
incandescentes
acenderem
teu corpo
tenso de alabastro
isso foi antes
agora
indiferente
ao desejo
que na madrugada
te fustiga
e te esgana
o lento caracol
desliza
sobe a cana.

Lisboa, 20 de Julho de 2014
Carlos Vieira
 



sábado, 19 de julho de 2014

Poema guindaste

 

Ponho o gancho
do guincho
no cume 
e rodo a manivela
ergo o bote
agora grande ave
no horizonte
onde a baleia
acena
a grande barbatana
que salpica
a vista do Pico
ali fico encalhado
em ti
sem vento
no meio do canal
a ensaiar
este guindaste
de palavras
de mudar
o que deve mudar
no mundo.

Lisboa, 19 de Julho de 2014


Carlos Vieira

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Alguém toca a campainha...

alguém toca a campainha
insiste
hoje não estou 
para ninguém
hoje é um dia sem história
e sem água
o estranho que tocou à porta
vinha substituir
o contador

Lisboa, 16 de Julho de 2014


Carlos Vieira

No seu peito...

No seu peito 
fenece o canto
obscurece a razão
no Verão não há rio
a alegria entristece
o coração vazio
e em vez do saber 
da doçura
medra 
a pedra dura
do esquecimento.

Lisboa, 16 de Julho de 2014
Carlos Vieira



terça-feira, 15 de julho de 2014

Hoje comprei...

Hoje comprei 
um kg de cerejas
no supermercado
que de seguida comi
e de cima da cerejeira
da infância ouvi
meu avô
"- Rapaz vê lá, 
se não cais daí!

Lisboa, 15 de Julho de 2014
Carlos Vieira

um cão rafeiro...

um cão rafeiro
passa por mim indiferente
apresso o passo
não se lembre ele 
de me vir mijar 
nos sapatos

Lisboa, 15 de Julho de 2014
Carlos Vieira

A erva...

a erva 
à minha porta
cresce com a minha ausência

Lisboa, 15 de Julho de 2014
Carlos Vieira

Nesta manhã...

Nesta manhã
cego pela neblina
hei de colher
os figos pingo de mel
que te prometi
e depois soltar
teus olhos
empoleirados na solidão
dois pássaros
a debicar
no meu deslumbramento
sem futuro.

Lisboa, 15 de Julho de 2014
Carlos Vieira


segunda-feira, 14 de julho de 2014

A coincidência das palavras 2



Perseverar
na busca da palavra
que renova o ar
e no reverso 
o pássaro em voo
reconstrói
e se esmaga
na urgência do beijo
ponto de luz
que emerge na manhã
aroma que fere
na corola da noite 
piano de cauda 
onde um gato doméstico
insiste na tecla
do coração
e sílaba a sílaba
inventamos a vertigem
do texto
onde não fica
pedra sobre pedra
e um vocábulo
se ergue erecto
émulo 
do diálogo das estrelas
linguagem 
de um ângulo aberto
e mais perene
sublimando 
a expressão rasa
de outro mundo
para onde convirja
a eloquência
da descoberta
de uma nova 
humanidade.

Lisboa, 14 de Julho de 2014
Carlos Vieira

Hora da criação



A minha mãe 
tem quase oitenta anos
os ovos que me deu
estavam quentes
ainda há pouco 
os tinha tirado
debaixo da galinha
a minha mãe 
é um poema 
que sai da capoeira
com um pequeno coelho 
que entrega à neta
esta passa
as suas pequenas mãos 
pelo pêlo macio
enquanto o focinho
laborioso
rói a cenoura
aos meus olhos cintilantes
e da minha filha
tudo isto é magia
os ovos e o pequeno coelho
a ternura da minha mãe
há também quem lhe chame
poesia.

Lisboa, 14 de Julho de 2014
Carlos Vieira



domingo, 13 de julho de 2014

Ladram os cães...

ladram os cães
ao desafio
nas casas
do fim da aldeia
não descansam
enquanto 
a noite
não abocanhar
o intruso

Lisboa, 12 de Julho de 2014

Carlos Vieira

Ontem a minha vizinha...

ontem 
a minha vizinha
prendeu com uma mola de roupa
a lua cheia no estendal

Lisboa, 12 de Julho de 2014

Carlos Vieira

sábado, 12 de julho de 2014

Fui ao quintal...

fui ao quintal
não distingo
a neblina nocturna
do fumo do meu cigarro
um pássaro e um gato 
num jogo de sombras
ignoram
a minha presença
destacam 
essa irrelevância

Lisboa, 12 de Julho de 2014

Carlos Vieira

A pobreza desavergonhada II



Só tem a roupa
que traz vestida
um andrajoso farrapo
desfraldado estandarte
suave tecido
em que começa a viver
a morte
ainda bem que é Verão
e moda o rasgão 
está leve
só lhe dói a fome
não lhe pesa a carne
sempre sobra
alguma coisa
no caixote de lixo
mais perto de si.

Lisboa, 12 de Julho de 2014

Carlos Vieira

A desconhecida floresta dos corpos



A pequena farpa de escárnio incendeia a floresta
onde transgride a petulância dos duendes
a faúlha que surge das sombras onde te enredaste
numa solidão de espinhos e no riso trocista das amoras
cúmplices da articulada estratégia das aranhas
e quando te desenvencilhas do labirinto
o banho de luz da clareira enxagua-te o corpo
e a clarividência dos trilhos tolda-se
face à planeada exuberância dos odores
que gravitam à tua volta
nunca serei o mesmo depois que comunguei
o crepúsculo das alcateias e o rumor secular dos cedros
sempre  que agora te tocar ficarei bastante perturbado
pela tua distância e pela minha fragilidade
as florestas negras que atravessei correm-me nas veias
confundem-me perante os mistérios do amor
e os impropérios com que me excitas
e a sofreguidão que nos devora.

Lisboa, 12 de Julho de 2014

Carlos Vieira

-Online Browsing-: Don Hong-Oai. Photography in the style of a tradit...

-Online Browsing-: Don Hong-Oai. Photography in the style of a tradit...: Don Hong-Oai was born in 1929 in the city of Guangzhou in the Guangdong Province of China. He is often described as a Chinese artist, but ...

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Que falta nos fazem as palavras



Há dias
em que as palavras
nos fogem
por mais que lhe estendas as mãos
e lhe ofertes os lábios
e nos esqueçamos do corpo
elas não se aproximam
ou partem
de nariz no ar
empertigadas
sem dizer palavra
como se esse silêncio
ou essa tolerância
fosse a coragem
sem um adeus
esvaem-se
enrolam-se na língua
diluem-se nos espasmos
grãos de areia
que se evadem entre os dedos
e nós ficamos mudos
de tantos medos
atónitos
despojados dos escudos
da resposta
que apenas aquelas palavras
nos garantem
cegos
de folhas que se apagaram
perante o absurdo
redigido
de não poder nomear
o dia e o objecto
e de tu seres
para lá da timidez
das palavras
que ficaram entaladas
na garganta
o único ser vivo
que ainda me atrevo a soletrar
és o corpo
refúgio das palavras
sobreviventes
apenas
uma rubrica efémera
de luz.

Lisboa, 11 de Julho de 2014
Carlos Vieira


quinta-feira, 10 de julho de 2014

O poema é a pele do poeta




a pele 
da serpente
agita-se
enroscada
no tronco
do arbusto
acena
em silêncio
memórias
que arrastou
na areia 
do deserto
a serpente
deixou 
a sua pele
no e para
o mundo

Lisboa, 9 de Julho de 2014
Carlos Vieira

segunda-feira, 7 de julho de 2014

The worker's plea

workers plea.jpg

As cabras devoram...

As cabras devoram
os papéis
que esvoaçam 
pelas valetas
uma a uma 
o poeta encaminha 
as palavras 
para o redil
antes que a lua
o transforme em lobo
e os versos
em arame farpado.

Lisboa, 7 de Julho de 2014
Carlos Vieira

I know why the caged bird sings

A free bird lesos on the back
Of the wind and floats downstream 
Till the current ends and dips his wing
In the orange suns rays
And dares to claim the sky.

But a BIRD that stalks down his narrow cage
Can seldom see through his bars of rage
His wings are clipped and his feet are tied
So he opens his throat to sing.

The caged bird sings with a fearful trill
Of things unknown but longed for still
And his tune is heard on the distant hill for
The caged bird sings of freedom.

The free bird thinks of another breeze
And the trade winds soft through
The sighing trees
And the fat worms waiting on a dawn-bright
Lawn and he names the sky his own.

But a caged BIRD stands on the grave of dreams
His shadow shouts on a nightmare scream
His wings are clipped and his feet are tied
So he opens his throat to sing.

The caged bird sings with
A fearful trill of things unknown
But longed for still and his
Tune is heard on the distant hill
For the caged bird sings of freedom.

Acrobacias II



Dois pastéis de Belém
duas fatias de Tejo
na perpendicular
à torre
42 chineses
de olhos em bico
com a nossa história
em fila indiana
a entrar nos Jerónimos
que se distendiam na sua letargia
de réptil de calcário
em manhãs de sol
a Sportínguiada prosseguia
com os saltos mortais
e a ginástica de todos os dias
e as espáduas e os troncos
por meio dos mastros e das velas
e das nuvens
e das copas dos pinheiros mansos.
Sem canela não é a mesma coisa
e as reflexes a disparar
a preservar
os mais inacreditáveis momentos
seja imensamente breve
e à sua volta
em harmonia a "fast food"
o turista pergunta
ao português
cada vez mais estrangeiro
no sua própria terra
enquanto lhe resta país
venha ver as estrelas
aqui é o planetário
deixe-se levar
planar
"Les flaneurs"
enquanto não acabam as estrelas
vive-se esta industentável leveza dos dias
a leviandade
e a articulada sabedoria das flores
no seu diálogo
de seiva e bater de asas
com as aves e os insectos.
Gosto dos pastéis
um pouco mais queimados
a Matilde prossegue
no seu gesto pelo ar
de conhecimento do mundo
indecisa
entre a acrobática e a aeróbica
na ilusão dos automatismos
à minha frente o cão rafeiro de Pavlov
olha para mim com os olhos mais tristes
do seu teatro absurdo
eu condicionado
dei-lhe um bocado de bolo.
O segredo está na massa folhada
o café está a arrefecer
e as caravelas estão a chegar
regressando da viagem
ao centro
de nós próprios
depois que nos demos aos vários mundos
de mapa em punho
o turista desorientado
olha ora estarrecido
ora preocupado perante a paisagem
e os homens monumentais
que se lhe apresentam
e uma criança que corre
na sua brincadeira apátrida
desconhece os perigos que a espreitam
que a esperam
entretanto vive com toda a intensidade
que a ignorância e os imperfeitos conhecimentos
lhe permitem
e a minha filha termina a exibição
em espargata
por cima dos ombros
de um fado
onde acabam também
os meus versos.

Lisboa, 5 de Junho de 2014
Carlos Vieira




domingo, 6 de julho de 2014

Manhã de sábado na reserva 


Na pastelaria Tamoyo
30 anos depois
uma manhã estranhamente triste
de Verão
fria
a pedir o calor deste café
o mesmo índio multicor
de tantos livros aos quadradinhos
de penas caídas pela nuca
e olhos de falcão
e sete pessoas sós
caras pálidas
a sós consigo mesmos
com seus escalpes
outros
a reencontrarem-se
nos jornais
avidamente
por vezes olham por cima
do papel
para se assegurar que falam 
da mesma realidade
ou se 
independentemente das notícias
o seu mundo continua ali
reformados lobos da pradaria
a recuperar de uma noite de insónia
que a crise acentuou
e quase todos clientes antigos
locais
os empregados
quase pessoas de família
ou pelo menos da mesma tribo
impera um silêncio no estabelecimento
ou então uma fala mansa e baixa
acentuada
de olhares cúmplices
e do arrumar dos gestos
que prolongam esperados movimentos
tranquilos 
no sossego do bairro
algures na outra sala ao lado
elevam-se sinais de fumo
de uma civilização que desaparece
duas senhoras de certa idade
antigas princesas
assumem orgulhosamente
as suas pinturas de guerra fora de tempo
um pequeno índio guerreiro
ouve atentamente os concelhos do seu avô
em cima do cavalo mecânico
chegam pessoas como se viessem da missa
com seu carregamento semanal
de serenidade
e de setas políticas
eu paro escuto e olho para tudo isto
tento escolher as palavras
que podem ser as substâncias e as rezas
do ancestral feiticeiro
que me possam desenganar
e simultaneamente sejam também poção
que me façam acreditar na força
justa e no saber laborioso
da bondade
que me inspira 
este galope matinal
pelos versos
acompanhados
por um café 
em chávena aquecida.

Lisboa, 6 de Julho de 2014


Carlos Vieira

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Despes-te

despes-te
és agora
poro a poro
a coragem
à flor da pele
e a chuva
timída cai
no Verão
do teu torso
espelho nu 
embaciado
onde sacio
a sede
nesse vestido
de água

Lisboa, 2 de Julho de 2014
Carlos Vieira

quarta-feira, 2 de julho de 2014

voo eterno



uma pétala
caiu
na penumbra
do pensamento
que floriu
onde passei
e ali ficou
sem golpe de asa
cativa
do vento
que a possa
despertar
da morte
onde pousou
desconhece
a precariedade
daqueles
que ao defenderem
a liberdade
eternamente
da vida
ficam reféns
pétalas caídas

Lisboa, 2 de Julho de 2014
Carlos Vieira



Ode à deusa da floresta



O arco tenso
a flecha dardeja
o alvo eufórico
antes existiu
um rumor de penas
e ferro forjado
um silvo sibilino
ofereces o peito
há um murmúrio
de sangue quente
que atravessa
a floresta
o fruto trespassado
e no seu âmago
tartamudeia
uma festa
de cintilações
e silêncios
de sementes
rasgam a polpa
teus dentes
irrompe na clareira
teu rosto
de puro alabastro

tudo isto
descobre a língua
uma frescura de lâmina
que penetra
e de novo deixa
oculta a palavra
que perdura
no altar sagrado
de invadir
de palpar
o mistério humano
e invisível
que pressinto
na tua boca
de deusa atingida
pela seta
do prazer indizível
entregando-se
á infinita loucura
da seiva
e do profano.

Lisboa, 2 de Julho de 2014
Carlos Vieira

                                                O Despertar de Adónis de John Williams

terça-feira, 1 de julho de 2014

Rigor mortis



Argumento sólido 
é o eterno silêncio
dos lábios
que arrefecem
depois de teres
mordido
a última palavra 
que talvez apenas
pronunciaram
só para provocar
a morte
que nunca ninguém
julgou
estar tão perto
e agora
depois que soletraste
o primeiro pó
e que olhas o céu e o mundo 
com os olhos vítreos
já parece perguntares
pelas sementes
que te vão incendiar
e pelos abraços 
das raízes
no próximo Inverno
onde vais voltar
a anunciar como nunca
o perfume e a cor
com que se povoa
a eterna planície
e se desafia 
a mais discreta 
lonjura 
e se aventurou
a solidão
e eu ando à tua volta
neste afã
já nada sentimental
de perceber
a causa da tua morte
numa lógica 
de médico legista
de investigador criminal
como se tivesse
há muito habituado
à tua ausência
como só a minha falta
de independência
a minha inexplicável
adoração
o permitisse
com o gume
da máxima profundidade
e rigor

Lisboa, 1 de Julho de 2014
Carlos Vieira