Na pastelaria Tamoyo
30 anos depois
uma manhã estranhamente triste
de Verão
fria
a pedir o calor deste café
o mesmo índio multicor
de tantos livros aos quadradinhos
de penas caídas pela nuca
e olhos de falcão
e sete pessoas sós
caras pálidas
a sós consigo mesmos
com seus escalpes
outros
a reencontrarem-se
nos jornais
avidamente
por vezes olham por cima
do papel
para se assegurar que falam
da mesma realidade
ou se
independentemente das notícias
o seu mundo continua ali
reformados lobos da pradaria
a recuperar de uma noite de insónia
que a crise acentuou
e quase todos clientes antigos
locais
os empregados
quase pessoas de família
ou pelo menos da mesma tribo
impera um silêncio no estabelecimento
ou então uma fala mansa e baixa
acentuada
de olhares cúmplices
e do arrumar dos gestos
que prolongam esperados movimentos
tranquilos
no sossego do bairro
algures na outra sala ao lado
elevam-se sinais de fumo
de uma civilização que desaparece
duas senhoras de certa idade
antigas princesas
assumem orgulhosamente
as suas pinturas de guerra fora de tempo
um pequeno índio guerreiro
ouve atentamente os concelhos do seu avô
em cima do cavalo mecânico
chegam pessoas como se viessem da missa
com seu carregamento semanal
de serenidade
e de setas políticas
eu paro escuto e olho para tudo isto
tento escolher as palavras
que podem ser as substâncias e as rezas
do ancestral feiticeiro
que me possam desenganar
e simultaneamente sejam também poção
que me façam acreditar na força
justa e no saber laborioso
da bondade
que me inspira
este galope matinal
pelos versos
acompanhados
por um café
em chávena aquecida.
Lisboa, 6 de Julho de 2014
Carlos Vieira