domingo, 5 de maio de 2013

À timidez dos gestos na penumbra


 

 

 I

a noite

nasce na febre das sementes

um fruto

de coração franco e aberto

 

II

na orla breve

do fósforo bruxuleante

uma forca de luz inquisidora

ou um foco da ternura que anoitece

 

III

por uma fresta

esgueira-se a lua insolente

acorda a fera

a carícia nocturna em quarto crescente

 

IV

escuro como breu

um estertor no seio da floresta

a fatal faísca

ateou a tragédia de um fogo interior

 

 

V

a fénix renascida

das cinzas

no trilho da insónia

adiciona ao silêncio a solidão fecunda

 

VI

a esfera imóvel a contraluz

forja de cócoras uma figura

o planeta segue o rumo das trevas

em câmara lenta sem coragem esconde-se um homem

 

VII

a frescura de uma abóbada de folhas

a luz tépida da clorofila

uma frase lapidar

o ocaso de uma ideia

 

VIII

a fibra e a sombra de um princípio

no fim do túnel a claridade

a beleza do instante

que antecede o ataque do felino

 

IX

uma fenda secreta no muro

a farpa do tempo

a clarividência dos peixes

por cima do mar devorando as nuvens

 

X

o silêncio putrefacto

de tantas cores e frutos sonhados

o regresso à fertilidade

da fé nas palavras agridoces

 

Lisboa, 5 de Maio de 2013

Carlos Vieira

 


 

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