sábado, 9 de fevereiro de 2013

Ossos Ilíacos


 

Desconheço a razão, porque hoje acordei com estes ossos atravessados no pensamento, como se fossem ilhas que emergem, reminiscências de paisagens mediterrânicas.

Os Ilíacos não são muito conhecidos, excepto certamente nos pesados manuais da anatomia, no surrealismo desinfectado das urgências dos hospitais, nas salas de diagnóstico e de rastreio dos traumatizados dos acidentes de viação e de outros episódios, que na vida moderna nos deixam literalmente esmagados, onde nem os ossos mais desconhecidos ficam ilesos.

Fui pois, em busca dos Ilíacos. Verifiquei que os mesmos são possuidores de asas como tantos pássaros, só que estes pairam ali na zona da bacia e voam por ali, naquela tão sensível zona do corpo humano, tendo por missão a protecção da zona pélvica e sendo um dos mais relevantes suportes, da nossa erecta existência.

Até aqui nada de extraordinário, que uns desconhecidos ossos tenham mais relevância que aquela que outros ostentam ou reivindicam, é algo que os nossos pobres esqueletos, ao longo da sua vida, vão acompanhando com a indiferença ou a resignação daquilo que se designa serem “ossos do ofício”.

Nesta exploração matutina pelas mais duras partes baixas da humana compleição óssea, fiquei contudo a saber que os tais ossos, Ílio, Ísquio e a Púbis eram acompanhados pelo Cóccix e Sacro, o que diga-se de passagem são companhia de respeito.

Ossos que já me deixaram sem palavras e quase me fizeram perder a respiração, pois quando atingidos, deixam-nos particularmente disponíveis, para negociar aquilo que até aí achávamos absoluto, indiscutível e passando a reconhecer como muito razoável, aquilo que até aí, era para nós do domínio das mitologias.

Sentado sobre o assunto, fui escalpelizando os Ilíacos e trazendo-os para a luz do dia, como se num laboratório os visse por outro ângulo, fazendo incidir sobre aqueles uma outra luz.

Abracei pois estas partes mais recônditas e menos conhecidas da nossa estrutura, bebi todo o conhecimento que dali podia dispor, visando ultrapassar tão injusto esquecimento.

Senti necessidade de me espreguiçar e foi então que senti de novo aquela dor aguda, me apunhalou “as minhas cruzes”, deixando-me de joelhos, abominando os meandros enciclopédicos, que me haviam despertado outra vez esta recente e ilíaca fragilidade.

 

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2013

Carlos Vieira

 

 

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