terça-feira, 25 de setembro de 2012

A infância a preto e cinzento


 

 

Tordos e melros

habitantes de sombra

ou da prata.

Naquele dia aprendi

o v de visco.

 

Aves tão tímidas

entre flores de oliveira,

tão rara e ausente

e tão de Outono.

Lembro-me da primeira fisga

e da sofisticação

dos elásticos franceses.

 

Reflexos de pássaro

nos olhares de azeitona,

tão madura

tão escura

tão pura.

Foi coisa de que nunca gostei.

 

Entretanto,

escorre um rio de luz

em silêncio

no lagar de azeite,

onde meu pai era Marte

entre máquinas,

para mim o seu regresso

de madrugada

provindo do Inferno,

era triunfal.

 

O silêncio do tordo

o chilrear do melro

com muito pouca acidez.

Tenho os pés molhados,

da humidade da chuva

dos anos sessenta.

 

Os aliados do vento

nas oliveiras

de desgrenhadas

cabeleiras.

No sopé das serras

fotos a preto e branco

de camponeses

que varejam

o mundo rural

e a lavoura.

 

Adormeço,

enquanto lá fora

nas intempéries

cinzentas da infância

esvoaçam

tordos e melros.

Tudo sonhos e lampejos

a preto e branco

ou mais correctamente,

a preto e a cinzento.

 

Não me lembro de outras cores,

de qualquer forma, agora não me dão jeito.

 

Lisboa, 24 de Setembro de 2012

Carlos Vieira

 

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