Interrompam a cidade nesse murmúrio do interior dos prédios
e a cor dos semáforos
não sabem
que o meu pai traz de novo dentro de um cesto de verga o
segredo dos pássaros
nas buzinas das almas apressadas soltam-se insultos insanos e
alegrias passageiras
não sabem
que no perfume das memórias de infância perpassa a silente
solidão de lágrimas ligeiras
os bancos de jardim navegam nesse mar de folhas e de papel e
de gente, desgovernados
não sonham
o esplendor de sulcar a terra, prometer colheitas que escondem
corpos nus e almas de arados
nas esquinas, escadas, nos passeios e esplanadas estão todos tão
perto de nós e tão acossados
não sabem
que ao longe ardem frutos, peixes e flores, de árvores e ribeiras,
de veredas e cidades saciados
debaixo dos candeeiros afogados no nevoeiro farrapos de gente
enforcam-se nas cordas da luz
não sabem
dos séculos de frio das madrugadas, dos animais e homens
abraçados no algodão de contraluz
percorrem-se ruas e ruas e bares e viagens e as precárias
promessas de néon dos teus lábios
não sabem
sob a quieta claridade da pedra e o tranquilo caminhar das
águas calam-me teus dedos sábios
pela sobranceria perpendicular das praças e misericórdia das
fontes e sombras de jardins
não sonham
os segredos de fantasmas, o prazer paralelo da carne incendiada
na palha dos sótãos e confins
sei de ti na parede que nos separa e nos olhar de lâmina de persiana
que morre no alcatrão
não sonham
o canto e a luz intermitente dos grilos e dos pirilampos do teu
corpo solar nas noites de Verão
não sabem, nem sonham
o número de estrelas que caíram do céu dos subúrbios
nem aquelas que ficaram
presas nos sonhos das árvores
não sabem nem sonham
as que andam por aí filhas de pais incógnitos
pobres e frágeis estrelas desterradas.
Lisboa, 28 de Março de 2012
Carlos Vieira
Sem comentários:
Enviar um comentário