quinta-feira, 29 de março de 2012

Por terras de ninguém


Interrompam a cidade nesse murmúrio do interior dos prédios e a cor dos semáforos

não sabem  

que o meu pai traz de novo dentro de um cesto de verga o segredo dos pássaros



nas buzinas das almas apressadas soltam-se insultos insanos e alegrias passageiras

não sabem

que no perfume das memórias de infância perpassa a silente solidão de lágrimas ligeiras



os bancos de jardim navegam nesse mar de folhas e de papel e de gente, desgovernados

não sonham

o esplendor de sulcar a terra, prometer colheitas que escondem corpos nus e almas de arados



nas esquinas, escadas, nos passeios e esplanadas estão todos tão perto de nós e tão acossados

não sabem

que ao longe ardem frutos, peixes e flores, de árvores e ribeiras, de veredas e cidades saciados



debaixo dos candeeiros afogados no nevoeiro farrapos de gente enforcam-se nas cordas da luz

não sabem

dos séculos de frio das madrugadas, dos animais e homens abraçados no algodão de contraluz



percorrem-se ruas e ruas e bares e viagens e as precárias promessas de néon dos teus lábios

não sabem

sob a quieta claridade da pedra e o tranquilo caminhar das águas calam-me teus dedos sábios



pela sobranceria perpendicular das praças e misericórdia das fontes e sombras de jardins

não sonham

os segredos de fantasmas, o prazer paralelo da carne incendiada na palha dos sótãos e confins



sei de ti na parede que nos separa e nos olhar de lâmina de persiana que morre no alcatrão

não sonham

o canto e a luz intermitente dos grilos e dos pirilampos do teu corpo solar nas noites de Verão



não sabem, nem sonham

o número de estrelas que caíram do céu dos subúrbios

nem aquelas  que ficaram presas nos sonhos das árvores



não sabem nem sonham

as que andam por aí filhas de pais incógnitos

pobres e frágeis estrelas desterradas.



Lisboa, 28 de Março de 2012

Carlos Vieira


                                                “an immigrant” de  Dragan Secaric’s

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