Um menino
corre a tarde toda,
interruptamente
a bola
corre de um lado
para o outro.
O poeta
vive atordoado
na preocupação
do rumo
antecipado
da bola,
se for
para a estrada
pode
vir um carro...
O poeta
deixou
de ter assunto
e descansa,
depois da voz
e da mãe tranquila
terem voado
da janela,
chamando o rapaz,
a seguir correu
a persiana
e o poeta ficou
em paz.
Tudo aponta
para a mãe
o crepúsculo
aceso,
a contida
exuberância
dos insetos
que habitam
o princípio da noite,
um poeta
nunca vive
com muitas certezas.
O poeta
terá ficado cego,
nestas circunstâncias,
tal só acontece
se se aconchegou
perigosamente
à imperceptível
e sublime
resistência das cores
e dos materiais
deles ficando
embriagado.
O poeta
estuda agora
com minúcia
o saber incorporado
que dá alma aos objetos
e abandonou-se
à clausura
criada pelo vai e vêm
da sombra do pêndulo
suspenso
sobre a solidão.
Esta noite viverá
da memória
de uma bola de futebol
da alegre chilreado
de um menino
que corre na relva
do largo
e da voz fresca
serena
daquela mãe
emboscada
atrás da persiana
de alguma forma
também cega
e presa
noutra solidão.
Lisboa, 1 de Março de 2015
Carlos Vieira
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