I
Olho por ti
e lembro-me
de ter visto contigo
Tudo O Vento Levou
no velho cinema das Furnas
com banda sonora
a ecoar
no telhado de zinco.
II
Não te esqueço
no Mercado do Rego
no deve e haver
da madrugada
contabilizando
a explosão de aromas
e sabores
acompanhados
de um galão escuro
e meia torrada
em pão caseiro.
III
Recordas-te
de levar as hortaliças
e a fruta
aos veterenários e tratadores
residentes humanos
do Jardim Zoológico
e no regresso
ofereceste-me
um gelado Rajá
e saíu-me
um Franjinhas
de plástico
e andámos de gaivota.
IV
Não julgues
que me esqueci
das noites quentes
de Verão
no Picadeiro da Nazaré
a resistir
ao mármore frio
do Estado Novo
não dormias
e não era por causa
do café
a tua preocupação
foram sempre
os outros.
V
Sei da tua solidão
pela vida fora
da grande desilusão
de um primeiro
e único amor
como podes lembrar-te
se foi há meio século atrás
ficaste refém
daquilo
em que acreditaste
da tua entrega
e nunca concebeste
atravessar
de novo a dor
de te dares
e de te perderes
outra vez.
VI
Não me tentes
enganar
agora não vais desistir
antes de chegar
à meta
lembras-te de irmos
ver a última etapa
da Volta a Portugal
na subida
da Calçada do Carriche
tão frágil
volta a fazer
das fraquezas forças
os teus frágeis ossos
da osteoporose
com suas bolsas de ar
podem permitir-te
voar.
VII
Sei
da tua entrega
a todos
e a cada um de nós
da enorme presença
de espírito
quando ficaste sozinha
a tomar conta
da terna Penélope
deficiente mental
tua irmã
que toda a vida
foi tecendo e cozendo
a sua inacessível
solidão
não sei com que número
de agulha
a linha era Âncora
se bem me recordo.
Escusas
de me olhar
como quem não percebe
já nos conhecemos
não julgues
que te deixamos
desistir.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2015
Carlos Vieira
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