quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Canção de despertar para a Consti



Bebo da memória,
na margem
dos seus lábios,
que contornam
o fogo, fogo, fogo
e a água, água, água,
a solidão
das primeiras palavras
que reconheço
porque dizem
o puro sabor
dos elementos
depois da navegação
no seu sorriso
emergente.

Dos teus caracóis louros
em catarata
evadiam-se peixes
na sua ânsia
de delatar segredos
e construir
o país dos sonhos
dos mais subliminares
materiais
arquitectados
em clareiras
de fogo, fogo, fogo
e grutas
de água, água, água
de onde espreitavam
os teus olhos
pérolas incrustadas
pequenos animais indecisos.

Lembro-me
que tinhas uma
“t-shirt” amarela
e umas jardineiras
aos quadrados
nesse tempo
brincavas com o fogo
com o mesmo à vontade
com que hoje
se brinca com a fome
e no lusco-fusco
de um fim de tarde
bebes um copo
de água
e a noite vinha
de mansinho
comer-te à mão
tu depois
tiveste medo
da tua própria sombra.

Nos teus olhos grandes
de criança
perpassavam
constelações
legendas
que remetiam
para animais mitológicos
sinais
de fogo, fogo, fogo
e para o doce murmurar
e insistência
de água, água, água
anunciando o rumor de outras
galáxias.

Desviavas
o imenso caudal da água
e de dor
e levavas o teu pequeno mundo
à trela
com tuas pequenas mãos
e delas em concha
nasciam os mares interiores
e a correria imprudente
dos rios intrépidos
na tua diligência
de menina
acompanhava-os
com o olhar fulgurante
de fogo
e de imprevistos
e uma sôfrega
sede de vida
sem julgamento.

Lisboa, 3 de Novembro de 2013
Carlos Vieira

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