Sempre
fiquei impressionado com a expressão arquitetónica “prédio de gaveto”,
embasbacado e sem saber para onde ir, nesta esquina de cidade que tanto tenho
visitado e tão desconhecida permanece, procurei no ângulo, a rua que me provocasse a
curiosidade ou o conforto, sendo certo, que daquele gaveto, não vislumbrava
nada que me pudesse suscitar motivos para grandes apreensões ou especial
emoção.
Ali
estava, perante o peso dos prédios mais ou modernos, aquários de enormes
superfícies mais ou menos espelhadas, aos quais as bicicletas suavizavam as
arestas, assumi uma atitude que revelava uma subtil áurea de tranquilidade e uma
vã tentativa de me mimetizar, perante tão fria e apressada fauna, a mesma que é
comum a todos os anónimos lugares de passagem.
Eis-me
pois aqui, remoendo um “gaveto” desta cidade que, por sua vez, me devora
vorazmente e me condena, irremediavelmente, ao esquecimento, muito embora, seja
provável que vigie atentamente todos os meus passos, “não vá o diabo tecê-las”!
Esse
facto pude constatar, face à abordagem que dois agentes da autoridade me
fizeram, muito cortesmente, por certo, respaldados em estudada observação e
privilegiando uma atitude proactiva, face à minha inexplicável e perturbante inacção
que a afinal, não era mais que a minha ancestral indecisão, na estratégica
esquina.
Perguntaram-me
aquelas coisas banais, que se perguntam aqueles que são vagamente suspeitos,
questões de triagem, num inglês são e escorreito, habitual aos povos do norte
da Europa, respondi-lhe no meu inglês de serviços mínimos e pude aperceber-me
que ficaram relativamente tranquilos, na sua desconfiança ou sagacidade profissional.
No
intervalo destas viagens de natureza profissional tento, tanto quanto possível,
arranjar tempo para uma incursão, na cidade, por vezes desconhecidas, sendo
certo que naquele curto período, há sempre um compromisso que se estabelece,
entre visitar qualquer ex-libris do burgo estrangeiro ou ir sentir o pulsar e
espreitar os rostos das gentes que invariavelmente, nesta latitude europeia, se
mostram contidos, correctos, indiferentes, discretos, pouco deixando
transparecer, o que lhe vai na alma ou sinais do tão enunciado sentir
colectivo.
Perplexo
neste gaveto, deixei que a cidade, por osmose se infiltrasse pelos poros, pelos
ouvidos, pelo nariz ou que qualquer brisa fizesse a diferença e me trouxesse um
sinal da minha presença na Terra ou que pelo menos, nestes 180º de solidão, me ajudasse
a reescrever uma mais auspiciosa e justa concepção do sentido da vida colectiva
ou a conhecer o mais subtil sentido do movimento dos indivíduos e das razões da
sua indiferença, perante os seus semelhantes.
Naquele
gaveto, frente ao mar do Norte ou na esquina da Broadway, estamos sempre
divididos por vários sentidos, caminhos, fragâncias, cercados por esta solidão de
gente e, por aquela breve suspeita ou profunda indecisão, de não pertencermos a
nenhum lugar ou de qualquer forma, aquele ser um espaço reminiscente,
incompleto, no nosso interior, a que já pertencemos, que sendo agora de todos,
se torna terra de ninguém.
Haia,
25 de Maio de 2012
Carlos
Vieira