sábado, 1 de junho de 2013

Reconstituição de um hara-kiri


 

Os rastos das sandálias

dirigiam-se para o bosque

por aquele caminho de terra batida

ao meio-dia

os insectos zumbiam debaixo das cerejeiras

podia vislumbrar-se ainda

o samurai

a sua atitude firme e o tronco erecto

a rasgar-lhe a carne

apenas a sombra do sabre

como se fosse um pássaro

nem uma palavra

não pestanejou

o perfume das ervas

era irrelevante

depois

a doçura do sangue

que lhe escorria

no canto dos lábios

a inutilidade e a ignorância da honra

para aqueles que por cá

vão ficando

os restos de um corpo

devorado por animais nocturnos

dirá o relatório de autópsia

sem qualquer margem

para dúvidas

um funeral discreto

digo deserto

suportado pelo erário público.

 

Lisboa, 1 de Junho de 2013

Carlos Vieira

 

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário