sábado, 6 de dezembro de 2014

Apontamentos erótico-poéticos / Incidentes bocágicos I



Toda a gente sabe que Elmano " o ladino" gostava de cagar de alto e terá comentado
que alguém debaixo da figueira, até pelo traseiro, o "cu-nhecia", diga-se, por aquela passagem que se tratava de um profundo "cunhecimento", do lado mais escatológico
do poeta.
Aliás, este amarinhar de árvores, servia-lhe a dois tempos. Num primeiro momento, para o aliviar de necessidades, num segundo de inspiração, à sua veia poética, de ave mais lírica pousada no seu ambiente.
Terá contado certo "espreita" que quando o bardo para ali estava de pirilau ao léu, após noite de maior moina, se terá aproximado um bichano lambareiro que, por milímetros, não se alambazou da pendente parafernália, e não fora um estremecimento súbito
o ter desequilibrado, fazendo-o cair, qual maçã podre e o lúbrico escriba, ver-se-ia destituído de alguns dos seus mais relevantes argumentos, por vezes, para a sua prosápia e verborreia e outras, para tão distinta grandiloquência.
Nesses tempos em que instalou forte polémica entre os que defendiam a sátira mordaz e certeira, em contraponto com o ritmo da lírica límpida, comentava-se por alcovas e lupanares, agora só Bocage nada de Camões, os defensores de uns e outros, digladiavam os mais arrevesados argumentos e diz quem viu que muitos acérrimos defensores dos poetas, terão chegado a desembainhar os bacamartes e chegado mesmo a vias de facto.
Rezam os "anais" que Elmano esse descaradão moreno passeava o seu esplendor, já decadente, pela Avenida Luísa Tody e que certo dia no lusco-fusco, foi puxado o vate pelo gibão, para as trevas de um beco, por mão com energia e pêlo de urso, essa força da natureza, por certo pouco sensível às sátiras, ali lhe atestou tamanho "enxerto" que nas semanas seguintes ficou de molho, lambendo as feridas e sem poder pegar na pena.
Tal tenebroso evento, levou a que se afastasse dramáticamente da dama que até ali, lhe tinha ocupado, entre outras coisas as meninges e que tinha adornado as daquele colosso brutamontes que desconhecia as ambivalências e a falta de oportunidade das grandes paixões que o devastavam e o deixavam cego. 
Agora com um olho "à Belenenses", ficou com o miserável aspecto e semelhanças do famigerado autor da epopeia, que elegeu como inimigo fidagal.
 

Lisboa, 5 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira





De volta de cartas de "amarear"



No promontório
apontei o sextante
a tentar medir
o impossível
essa distância
entre as estrelas
da constelação
a que pertences
enquanto
nos aproximamos
do zénite
vertiginosamente
desse prazer
sideral
que é regressar
ao ângulo 
de um total
desconhecimento
tendo teu corpo
por horizonte.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Invocação do seu nome em vão




Dizem os teus lábios
e calam-se
falta-lhes o ar
e todos os animais
correm para os abrigos
face aos beijos
que se adivinham
que se seguem
desconhecendo territórios
no canto
que nomeia
os objectos familiares
ao adquirirem
estranha luz
eteriedade
vão ocupar o inóspito
despedindo-se das mãos
da ternura
que testemunham
nos recantos
nas prateleira douradas
na sua nudez
tolhidos em silêncio
no exílio dos pequenos espaços
onde reinam
em crepúsculos mínimos
aguardam
que os teus lábios
os poupem às línguas 
de fogo
que esvoaçam
em que se transformam
as palavras
que os invocam
preenchendo 
o vazio
enquanto 
o sopro da tua boca
faz desaguar a noite
perante o espanto
estampado
no teu rosto
alucinando.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira

Com seus dedos...

Com seus dedos 
agora gretados
tinha arrancado 
pungentes harpejos
das pautas
de arame farpado
plangendo
acompanhado
pelo coro de um rebanho 
dos pensamentos
encurralados.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2014

Carlos Vieira

domingo, 30 de novembro de 2014

O peso da palavra



Palavras
substâncias
decompostas
grude de construir
a mobília 
e a casa
constelação 
de pequenos átomos
debaixo dela
vais dormir
nas noites
em que fojes dos dias
e aí forjas
essa argamassa
de tempo 
de efémero
onde perpassa
o murmúrio
de um lençol de lava
de música vulcânica
e tu exortas
a voz interior
o deslumbramento
e o etéreo
fixas o pigmento
que perseguiste
após
o segredo
desencontrado
no pó das palavras
esquecidas.

Lisboa, 30 de Novembro de 2014

Carlos Vieira

Uma pequena transgressão




Aguardas
no sofá da sala
que o bicho da palavra
por dizer te devore,
lá fora 
instiga-te a sair
o sol exacto
de Inverno
e o ruído mecânico
das ondas 
dos automóveis,
desces pela 
suave melancolia
do elevador
sem qualquer
interrupção
de um "bom dia!"
de um vizinho
madrugador
pões a chave
na ignição
e escutas 
a resposta familiar 
do motor 
da viatura
sempre disponível
para te levar
a algum lado
sem te pedir nada
nem uma palavra
esqueceste-te 
de ti e do cinto
em qualquer
esquina
podes voltar 
a transgredir.

Lisboa, 30 de Novembro de 2014
Carlos Vieira



sábado, 29 de novembro de 2014

Poema de uma ave à chuva



Uma ave
arde 
devagar,
define
a árvore
entre
a névoa,
o canto
é agora
água
límpida
regato
a deflagrar
o espanto,
paira
uma miríade
fosforescente
de luzes
de vozes
reinventando
a lua e o luar,
palpitando
à flor da pele
amordaçada
os esquecidos
os timídos
e os sós,
e assim
lhe permitem
respirar
depois do medo,
das penas
e que se possa 
decifrar
a mensagem
implicíta
no tamborilar
da chuva,
a sua ternura
ingénua
minimal
e a insensatez
que alaga 
as ruas lá fora
e que cai 
batendo asas
dentro de nós.



Carlos Vieira