quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Poema presépio



Uma cadela vadia
de rabo entre as pernas
invadiu o cenário
e alçou a perna
numa ovelha de porcelana
tresmalhada
meteu o focinho
entre o musgo e o algodão
do presépio
e seguiu a estrela
de barro quebrada
corre e ladra de alegria
descobre
que cada gruta
estava prenhe de poesia
que ali nasce 
o milagre da criação 
o homem que vai morrer
e renasce
como se faz novo o dia
do mesmo barro
da mesma fria luz
agora em agonia
neste presépio
do mundo
onde supus
no meu imaginário
aquela cadela
escanzelada
percorria
fugindo
de uma qualquer
Judeia
ao encontro
de um novo mundo.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira




segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O presente



O frio é seco
vai até ao osso
faz bater o dente
ao abrigo das arcadas
oferece-nos o humano 
embrulhado no presente 
na respiração ofegante 
dentro da caixa de papelão
com a oportuna menção
FRÁGIL!
podia-se acrescentar
NÃO INCOMODAR!

Lisboa, 8 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira



sábado, 6 de dezembro de 2014

O amor sem sentido


Os meus lábios 
contornam
a crista da indescritível
da perfeita
ondulação 
dos teus ombros
rumo ao delírio
da visão
dos teus mamilos
onde os meus dentes
moderam
os murmúrios do desejo
a minha boca
regressa ao precepício
que se inicia
por detrás do teu pescoço
após o rumor da palavra
ciciada
mordiscas-me a pele
os teus olhos fecham-se
para que possas
atravessar
o caminho do amplexo
dos meus braços
e nessa gruta 
do desassossego
onde deliberadamente
nos perdemos
avança minha boca
e tuas unhas 
pelas nossas costas
e pelos pequenos
vulcões dos poros
escorregamos
na insensatez
e no perfume 
reconhecido
na pele molhada
tuas mãos ávidas
da minha rendição
de que mergulhe 
erecta a lança
que o mundo desvaneça
e o pequeno hiato de luz 
seja a única tristeza
que permaneça
e por fim se desfaça
a nossa vigiada
solidão
nos dedos que me calam
e que beijo
no epílogo de ternura
e do amor renovado
na volúpia saciada.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira


Magritte - "The lovers"

Apontamentos erótico-poéticos / Incidentes bocágicos I



Toda a gente sabe que Elmano " o ladino" gostava de cagar de alto e terá comentado
que alguém debaixo da figueira, até pelo traseiro, o "cu-nhecia", diga-se, por aquela passagem que se tratava de um profundo "cunhecimento", do lado mais escatológico
do poeta.
Aliás, este amarinhar de árvores, servia-lhe a dois tempos. Num primeiro momento, para o aliviar de necessidades, num segundo de inspiração, à sua veia poética, de ave mais lírica pousada no seu ambiente.
Terá contado certo "espreita" que quando o bardo para ali estava de pirilau ao léu, após noite de maior moina, se terá aproximado um bichano lambareiro que, por milímetros, não se alambazou da pendente parafernália, e não fora um estremecimento súbito
o ter desequilibrado, fazendo-o cair, qual maçã podre e o lúbrico escriba, ver-se-ia destituído de alguns dos seus mais relevantes argumentos, por vezes, para a sua prosápia e verborreia e outras, para tão distinta grandiloquência.
Nesses tempos em que instalou forte polémica entre os que defendiam a sátira mordaz e certeira, em contraponto com o ritmo da lírica límpida, comentava-se por alcovas e lupanares, agora só Bocage nada de Camões, os defensores de uns e outros, digladiavam os mais arrevesados argumentos e diz quem viu que muitos acérrimos defensores dos poetas, terão chegado a desembainhar os bacamartes e chegado mesmo a vias de facto.
Rezam os "anais" que Elmano esse descaradão moreno passeava o seu esplendor, já decadente, pela Avenida Luísa Tody e que certo dia no lusco-fusco, foi puxado o vate pelo gibão, para as trevas de um beco, por mão com energia e pêlo de urso, essa força da natureza, por certo pouco sensível às sátiras, ali lhe atestou tamanho "enxerto" que nas semanas seguintes ficou de molho, lambendo as feridas e sem poder pegar na pena.
Tal tenebroso evento, levou a que se afastasse dramáticamente da dama que até ali, lhe tinha ocupado, entre outras coisas as meninges e que tinha adornado as daquele colosso brutamontes que desconhecia as ambivalências e a falta de oportunidade das grandes paixões que o devastavam e o deixavam cego. 
Agora com um olho "à Belenenses", ficou com o miserável aspecto e semelhanças do famigerado autor da epopeia, que elegeu como inimigo fidagal.
 

Lisboa, 5 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira





De volta de cartas de "amarear"



No promontório
apontei o sextante
a tentar medir
o impossível
essa distância
entre as estrelas
da constelação
a que pertences
enquanto
nos aproximamos
do zénite
vertiginosamente
desse prazer
sideral
que é regressar
ao ângulo 
de um total
desconhecimento
tendo teu corpo
por horizonte.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Invocação do seu nome em vão




Dizem os teus lábios
e calam-se
falta-lhes o ar
e todos os animais
correm para os abrigos
face aos beijos
que se adivinham
que se seguem
desconhecendo territórios
no canto
que nomeia
os objectos familiares
ao adquirirem
estranha luz
eteriedade
vão ocupar o inóspito
despedindo-se das mãos
da ternura
que testemunham
nos recantos
nas prateleira douradas
na sua nudez
tolhidos em silêncio
no exílio dos pequenos espaços
onde reinam
em crepúsculos mínimos
aguardam
que os teus lábios
os poupem às línguas 
de fogo
que esvoaçam
em que se transformam
as palavras
que os invocam
preenchendo 
o vazio
enquanto 
o sopro da tua boca
faz desaguar a noite
perante o espanto
estampado
no teu rosto
alucinando.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2014
Carlos Vieira

Com seus dedos...

Com seus dedos 
agora gretados
tinha arrancado 
pungentes harpejos
das pautas
de arame farpado
plangendo
acompanhado
pelo coro de um rebanho 
dos pensamentos
encurralados.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2014

Carlos Vieira