quinta-feira, 18 de setembro de 2014

na banca olham-nos...

na banca olham-nos
em êxtase
os peixes prateados
os mais fresco no mercado
espreito-lhe as guelras
e fico esclarecido
no máximo morreram
anteontem

Lisboa, 18 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

Peixe-espinho...

Peixe-espinho
na praia apinhada
todos nós podemos morrer
envenenados
nas próximas 24 horas.

Lisboa, 18 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

Peixes espreitam...

peixes espreitam
por dentro dos muros de tijolo burro
testemunham num silêncio
de frágil cerâmica
a imensa ternura
do desconhecimento
e a raiva surda da ignorância

Lisboa, 18 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

Epílogo


Rubra rosa
emerge na cinza do céu
pássaro de âmbar espantado
lacre derramado
no texto em cobalto
de tinta permanente
onde oiço o mar
num apontamento de azul
junto ao ouro dos teus pés
acende-se uma espiral
de búzios
e no silêncio carmim
dos teu comovidos lábios
chegámos ao fim.

Lisboa, 18 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Há margem



Fui pelo cais adiante
em busca de um outro final
um pouco menos decadente
em Vila Real de Santo António
ia vagueando contra o vento
contra corrente
e todo o rio Guadiana
ali acolá o marulhar dos barcos a remos
há séculos
estacionados em espinha
sobrevivem
de cores desbotadas
e madeira corroída
as gaivotas
mantinham-se à horas
imperturbáveis de sentinela
a este fim de Inverno
sem aderirem à dança das marés
instala-se
um cheiro intenso a peixe assado
percebia-se ter origem
nos barracões em ruínas
do outro lado Ayamonte
o declinar de um sol envergonhado
a que sucedeu
um chumbo de céu
os meteorologistas dividem-se
entre estarmos
neste dia de fim do Verão
ou no princípio do Outono
ali ao lado erguem-se
surreais esqueletos
de barracas
e no ar o lixo dos plásticos
de um final da feira
há um rumor de tempo
a esgotar-se
que acelerou
inapelavelmente
com o fim das fronteira.

Vila Real de St.º António, 17 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

Paisagem a branco e preto com leve apontamento de azul


Ali estou atento
ao bando de aves brancas
a esvoaçar
em formação
atento
ao vagar das vacas
brancas e pretas
que pastam
desencontradas
atento
ao desanuviar
de uma enorme
nuvem negra
que ruma a sul
por cima
dos cabos de alta tensão
de azul elétrico
o resto é paisagem
de onde fugiu a cor.
Lisboa, 17 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Um poema por duas lágrimas apenas


Duas lágrimas
correm por um só olho
cosmologicamente
para o canto
30ºgraus de ângulo
de um vértice triste
de não sei que dor
é preciso dar tempo
ao tempo que subverte
para as decompor-
Duas lágrimas
descem pelo seu rosto
contornam o argueiro
precipitam-se
até à foz
na comissura direita
da sua boca
onde as soube
sem gosto
onde irão com certeza
embargar
a sua voz já rouca.
Tanto
por tão pouca
cousa.

Lisboa, 15 de Setembro de 2014
Carlos Vieira