segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Poema exíguo

Poema exíguo 
numa noite de lua
muito cheia

raiz
de um sonho
mão alucinando
inquieta
na armadilha 
da lua maior
no pousio
de um pensamento
no seu feroz
desabrochar
nascente
onde os pássaros
da infância
eram de uma sede
que anoitecia
e vertiam seu canto
pelo vértice
das estrelas

Tojal, 10 de Agosto de 2014

sábado, 2 de agosto de 2014

No silêncio da noite

I
Já noite alta
os cagarros
apagam
não sei se o grito
se o canto

extinguem-se
na garganta
vulcânica
da noite

e na cúpula
das árvores
a medo
espreitam
as estrelas

II
são duas horas
da manhã
a minha cabeça
em erupção
e o meu corpo
é um penedo

III
no primeiro piso
da casa
o soalho deixou
de ranger
familiar
é este baixo
acústico
são três da manhã
e ouço ressonar

IV
não durmo
nem tenho insónias
esta casa 
é a caixa de ar
de um instrumento
que tudo faz ressoar

V
as horas
do meu relógio
fazem-se agora 
no sótão
do deambular
não sei
se de ratos
ou se das lagartixas

VI
são cinco da madrugada
a poente canta
o galo da tia Serafina
e a noite
perante o Pico
sonâmbulo
mais se agiganta

VII
despertam-me
mil e um pássaros
cantam incessantemente
nos castanheiros
harmónio
que me recorda
noites idas
pesadelos e impropérios
blasfémias
e maldições vencidas

VIII
cúmplices
repousam sobre a arca
regressada
da última viagem
das américas
um clarinete
e um oboé
depois a solo
oiço um assobio
está pronto
o café

IX
por fim
chegou a hora
da orquestra do silêncio
de sarar as feridas
do poema
que quero
agora povoado
de vozes emigrantes
esquecidas

Santa Rita, 2 de Agosto de 2014

Carlos Vieira

Dias de bruma V



esperavas-me
só 
no cais
enquanto
correm comigo 
acossando-me 
as canelas
o vento e a praia
dois cães

refém do caos
desnuda
de sentidos
não sei quantas vezes
foste devorada 
pela bruma
e te salvei

abracei-te
por detrás
surpreendida
estarei
onde não esperas

e no mapa
percorri o vazio
da tua silhueta
e a dúvida 
das encruzilhadas
mulher perdida

desconhecias
mas eu sempre
ali tinha permanecido
nunca saíra 
dessa terra
por ti sitiado

procuravas-me
num incerto
horizonte
também
eu aprendi 
a desconfiar
do amar-te
à distância

era o teu rumo
e tu a minha rota
farol
e desnorte
e acaso

por tanto 
nos amarmos
e nos desencontrarmos
somos agora 
gastas ilusões
e cansados rochedos
vencedores
e vencidos

Santa Rita, 2 de Agosto de 2014

Carlos Vieira

Dias de bruma IV



jambe
és em mim
o fruto 
que se delambe
único
absoluto

sabes a flor
a rosa
e tem como tu
impetuosa
a pele lisa 
espelho
onde me revejo 

por vezes
és a cor de lume 
ou de pastel
amarela
tantas vezes

um perfume
de oriente
quente
de jambeiro
ocidental

teu bocejo
no quintal
ante a brisa
atlântica
é afinal 
a faina
em que colho
um sorriso
e é a saudade
do beijo
que amaina
a tempestade

Santa Rita, 1 de Agosto de 2014

Carlos Vieira

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Dias de bruma III


Dias de bruma III

Assomam à porta
dois figos ainda verdes
e adeuses de amoras 
à janela
meia dúzia de telhas
forradas a musgo
e um dragoeiro
equilibram-se
no muro frontal
que sobrevive
os pássaros
e as borboletas
entram 
sorrateiros
sem pedir licença
as ruínas desta casa
tem os seus alicerces
na minha cabeça
reconstruo-a de cor
com a ajuda
imprescindível
do coração
em linha recta.

Lisboa, 31 de Julho de 2014
Carlos Vieira






Dias de bruma II



deitou-se
sobre os grandes seixos 
cinzentos
beijados pelo mar
nuvens caídas do céu
nas grutas
do seu sono pesado
escondem-se
peixes esplendorosos
e soltam-se da bruma
os seus sonhos 
tão leves
de um azul celeste
debruados de espuma

Lisboa, 31 de Julho de 2014
Carlos Vieira


segunda-feira, 28 de julho de 2014

Dias de bruma I



cai sobre a tua ausência e a terra a chuva impenitente
dos pássaros que cantam indiferentes não identifico nem um
sobrevivo em suspenso do aroma das árvores, flores e frutos 
e na breve abóbada do teu silêncio
enquanto isso desaparecem a estrada, as casas,os rostos, as palavras
como se fosse possível o êxodo desta ilha
apenas a bruma e algures a presença dos abismos
no caos em que por vezes nos cercam os sentidos 
por ti fiquei cego e a tactear pressinto que o vazio 
pode ser uma espécie de morte
contudo resta-me a coragem ou a lucidez 
de saber que algures está pousada a tua mão meu amor
e que por esse caminho de espinhos e emboscadas 
resiste a esperança de passar incólume 
por esse istmo que apela à força da natureza 
ou à frágil subtileza do coração


Santa Rita, 28 de Julho de 2014

Carlos Vieira