sábado, 13 de julho de 2013

Gente de palavras


Gente de palavras


Lugares inóspitos

das palavras elementares

que em tronco nu

se esgueiram pela sombra

ao encontro do silêncio veemente

longe dos olhares

palavras com gente

que no leito do rio ancestral

se banham tímidas e invulgares

desprezados deuses

de qualquer jeito.  

Lisboa, 13 de Julho de 2013

Carlos Vieira

Breve referência aos heróis insones e desconhecidos


 

Por vezes regresso

a esses locais

para onde nos convoca

a insónia

e o desconhecimento

dos mortos

esses heróicos vencedores

de todos os espelhos

onde resistem cicatrizes

na carne e no estanho

perdido por esses caminhos

que nos levam

de novo

aos campos de batalha

que não nos pertenciam

e no entanto

dali saímos vexados

estropiados por vezes

arrastando a derrota das ideias

de uma outra humanidade

vergados à ignomínia

campos de batalha

onde regressamos

apenas para abraçar

esses antepassados da morte inútil

fantasmas das nossas vidas

que erram sonâmbulos

pelas nossas casas vazias de sonhos

tão semelhantes

na nossa condição

ao aproximar-nos apagam-se

e ainda se ouvem murmurar

que não podemos continuar a viver

morrendo em vão

durante o sono.

 

Lisboa, 13 de Julho de 2013

Carlos Vieira



 "Insomnia" por George Grie

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Não sou ninguém porque sou todo o mundo


Sou de cada interstício
o ânimo 
de todos os lugares
sei do despertar
de todas as esquinas
das ciladas tecidas
articuladas nos ângulos mortos
e estive
no suor e no sangue
na confluência de tempos
fui um golpe de asa
de onde partiu
o início da ponte
debaixo da qual
correram as águas mais turvas
e os segredos mais inocentes
suportando sonhos largos
assombrados
por vinganças
e vigiados
pela melancolia
das tardes de Verão
pelas palavras
despojadas
no rumor
da cal mediterrânica
não me reconheces
mas sou eu ninguém
que descanso
por fim
no rumo feliz 
das tuas omoplatas
e aí sou o mundo todo.

Lisboa, 12 de Julho de 2013
Carlos Vieira

Imagem de autor desconhecido


quarta-feira, 10 de julho de 2013

O regresso à minha terra



Povoações esquecidas
e uma ânsia de olhares
por outras vidas.

Os nossos semelhantes
com seus rostos maravilhosos
tisnados
suas rugas de agora
são os silêncios e as dúvidas
de dantes.

Humildes
de tanto lavrar desencantos
de entretecer delicados
crepúsculos e memórias
e ainda, recantos surpreendentes
para o reencontro dos lábios
cântaros de água fresca
que repousaram
à sombra da memória
de onde ladram os cães.

Enquanto isso sigo
sozinho
com as mão nos bolsos
pela rua única
olha o perigo
a multidão silente
de tanta gente só
por um postigo
vou até à sua noite
chama-me aquele perigo
da solidão de cada um
a beber um copo.

Ombro a ombro
cá dentro reinvento
o cinzel e o espaço
para cada um
e em cada rosto
um tempo
com um pouco de sorte
o golpe em que a todos reconheço
depois a fonte da aldeia
essa ferida eterna
de onde escorre
a teia
daquela
que volta para ser
a minha solidão

Lisboa, 10 de Julho de 2013

Carlos Vieira

Sem lugar



Lugares
a que parece
sempre pertencemos
paisagens em delírio
que colhem
dentro de nós a raiz
de uma súbita ribeira
na sua margem
sentados a comer figos
a molhar os pés
depois regressamos
descalços pelo asfalto
a uma cidade
que esquecemos
e reconstruímos
a partir
da explicação dos pássaros
à sombra
do exílio
de um salgueiro.

Lisboa, 9 de Julho de 2013
Carlos Vieira



Skinny Love - Birdy/Bon Iver - cover by Sandra Moreira

terça-feira, 9 de julho de 2013

Qual o meu lugar


Há lugares assim
para os quais
uma força desconhecida
nos impele
onde não existe fim
nem céu
que nos convença
e nós ali ficamos
deitados contra à terra
e rente à pele
tão pura e serena
medra
uma exaltação
a azáfama
de uma pequena guerra
interior
de só já existir
aquela pedra que dura
e onde cintila
como um afago
uma estrela em viagem
no arco da memória 
voo que perdura
e que por três vezes
beijou
negando no lago
o reflexo
da sua imagem.

Lisboa, 9 de Julho de 2013
Carlos Vieira

Imagem by Daniel White