"A água anónima sabe
todos os segredos. A mesma lembrança sai de todas as fontes."
Gaston Bachelard; "A Água e
os Sonhos"
Peço-te o maior sigilo
e a maior contenção,
tudo o que aqui escutares se cale
contigo,
deixa que as fragâncias da tarde
te acompanhem
e que o teu corpo resvale pelos
córregos da colina.
Tu serás sempre aquele sorriso
o que se fechou na curva
por detrás da fulva luminosidade,
onde reinava a firmeza e a
fragilidade
de um tronco do carvalho.
Nada vou revelar
ainda que sujeito à tortura do
sono,
permaneceremos inteiros e eternos,
flutuando
por cima do rio dos nossos corpos.
As palavras exigem a mais
absoluta reserva
e a discrição mais ponderada,
tudo isto está envolto no segredo
inexplicável da partilha.
Sobreviver no murmúrio do lençol
de águas
que nunca se renderam
e percorrem ainda,
clareiras resplandecentes de
calcário,
bebemos pois
das harmoniosas ânforas de argila,
aplacando a nossa sofreguidão
de amantes e peregrinos.
Atento à sua natureza
o segredo que comungamos
suscita a necessidade
da maior confidencialidade,
pois que só preservando
a nossa serenidade oculta
podemos sobreviver.
Pois caso veja a luz do dia,
caso seja exposto,
nunca irá resistir à curiosidade
mórbida,
ao decantar da sede de conhecimento
e à urgência da ilusão.
Tal matéria
se de público acesso,
será como um violado corpo nu
e a seguir proscrito,
o qual no fim
até o seu mais sagrado e profundo
mistério pode soçobrar,
deixando-se transpor
pela tragédia do silêncio
desvendado.
Uma flor que desabroche em
atmosfera hostil,
prematura poderá ser a sua morte,
à sua volta
tudo ficará um pouco mais frio
e mais duro, sombrio e desnudado
nunca viverá as efémeras sombras
das borboletas.
E quando,
e se nos olharmos
não iríamos mais
perdurar.
Traída essa secreta cumplicidade
dos que viajam dentro de nós,
restava-nos viver para sempre escondidos,
assumindo a falsa identidade
dos refugiados.
Eu que apenas existo
porque tu respiras
e tu que serás sempre
o meu satélite natural.
Minha secreta luz interior
que fulguras dentro de mim,
de tanto te querer minha
e ao mesmo tempo livre,
podes muito sucumbir
sobre ventilada
ou de falta de ar.
Neste protocolo de vigília
zelo pelo sigilo,
defendendo a perfeita alegria
do teu rosto,
o selvagem percurso dos teus lábios
da insana obscuridade
de todas as ameaças
e o segredo que guardo
é tudo aquilo que junto de ti
eu esqueço.
Lisboa, 4 de Novembro de 2012
Carlos Vieira
“Le double secret” de René Magritte