domingo, 21 de outubro de 2012

2 - Pomba branca


     Pomba branca

     devorada pela nuvem negra

     existe um falcão emboscado no pensamento

 

Lisboa, 21 de Outubro de 2012

Carlos Vieira

1 - Pomba branca...


Pomba branca

que sobre a neve tomba

acendem-se asas numa rosa de sangue

 

Lisboa, 21 de Outubro de 2012

Carlos Vieira

sábado, 20 de outubro de 2012

Poema dos ignorados efeitos secundários






ouço a fome ou o bosque

no rumor da flecha

imperturbável

 

sílaba a sílaba tudo se cala

reféns de pétalas de seda

e de esfinges

 

o prisma do sorriso cínico

após o sopro letal

da zarabatana

 

um prego de aço é uma raiz

de vergonha que se dissemina

nos muros sem rosto do país

 

a súplica da prece que te detêm

ferido de asa e resistes porém

à farpa sibilina da palavra

 

conhecem-te os genes

a efígie da moeda de troca

e por quanto se compra um escravo

 

na tua orelha de flor

o repto de um segredo que flutua

e a armadilha do mel

 

Lisboa, 20 de Outubro de 2012

Carlos Vieira

 

4 – Observação de aves


 

 

Descansou ali na cota mais alta

Caiu das nuvens do ombro fecundo

E assim sentado a ver o mundo

Estremeceu-lhe a repentina falta

 

E quanto mais o olhar no cimo se perdia

A curva da sua ausência era dor tamanha

Mais no perfume das ancas se envolvia

E lhe batia no peito o cume da montanha

 

Este homem que tão alto ascendeu

Que tão ingénua alegria à amada tece

Agora o medo do abismo desconhece

Porque o fogo do amor jamais esqueceu

 

Lisboa, 20 de Outubro de 2012

Carlos Vieira

 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Extinguiu-se aquela luz efémera...


extinguiu-se aquela luz efémera

já não sei se o fruto amadurece

nem do reflexo do peixe a meia água

perdeu-se a limpidez do canto das aves

na rua a brisa é agora a lâmina que nos cega

é o poeta que cedo nos deixa nos arrepios da nudez

e que criou um rio a partir da lágrima que caindo teimosa

nos revelou a curta distância entre o princípio e o fim do mundo

 

Lisboa, 19 de Outubro de 2012

Carlos Vieira

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Poema de um lago sem nome ...


Poema de um lago sem nome

que nos olhos de infância secou

 

o mistério daquele lago

era redondo, era de lodo e profundo

 

tinha um olhar duro e franco

como uma batalha naval acesa por um relâmpago

 

nele vivia o empertigado e distante mundo

de um pato marreco e branco

 

a memória era aquela pedra lisa atirada

que entre ambos passou

 

os gestos eram mágicos de capa e da espada

que irónica a todos sobrevoou

 

esta é a irrelevante história em círculos de um lago

de uma pedra e do pato

 

que ao chegar à margem do poema

por ter heróis tão pueris soçobrou.

 

 

Lisboa, 18 de Outubro de 2012

Carlos Vieira

3 - Observação de Aves



Todos os dias nos écrans e nas janelas
enquadradas, árvores, inquietações e  pardais
sonhos em agonia pendurados nas cúpulas.

Deste tempo crítico do arrulhar das rolas
outras dores descem pelas chaminés e beirais,
asas de um tempo triste, penas que nos calam.

Até que os homens das prestações vencidas
das alturas sem sucesso se atiram para os jornais
aprendendo a voar, “amortizam” as suas vidas.

Lisboa, 18 de Outubro de 2012
Carlos Vieira