este poema aguarda os que se assustam da porta que se abre da porta que se fecha da chave na ranhura dos dentes cerrados na liberdade e na loucura da corrente de ar
de espreitar o círculo do medo e de fecharem os olhos das mãos crispadas de raiva das mães
os que se assustam das mãos estrangulando a vergonha da carta das viúvas que ainda se desconheciam das notícias inesperadas e das que há muito esperavas
guarda nas rimas o silêncio do medo das alturas e dos abismos dos lugares que são do vazio e das multidões e dos sobressaltos da paz e da guerra
guarda os desse medo feroz do contratempo que é a fome dos seus e de todos os outros
dos que receiam em não haver tempo e daqueles sobrevivem com todo o tempo do mundo a uma insensata solidão a titubear os estribilhos das canções
dos que apenas murmuram cansaço e desolação em busca de um poema que seja o passaporte a viagem e o salvo conduto a ponte e a passagem para um país de coragem carta de alforria do campo de concentração latente dentro de nós
Fiquei ali mergulhado na atenção que
as cintilações de licra e de pele me despertaram sobre o espelho de água. Perseguia-a,
naquela esteira de espuma, a sintonia perfeita do seu “crawl” , a touca azul, de
onde despontavam breves madeixas do cabelo loiro.
Antevia que seriam verdes os seus
olhos, escondidos por detrás dos óculos de natação e esperei que abandonasse a
piscina, deusa esbelta escorrendo água.
Talvez se secasse à minha frente,
podia devolver-lhe a toalha, que ela deixaria cair intencionalmente.
Até que oiço uma voz feminina um
pouco ríspida, que me diz “Peço desculpa, mas esta é a minha mesa e o meu café!”
Eu quase me engasgo com o prosaico
croissant misto, balbucio algumas palavras de justificação, atordoado com a
visão que me atravessou o pequeno-almoço.
Sopram forte os primeiros ventos
de Outono e ninguém estava à espera. No largo do antigo palacete apodrece o
luar e oiço gritos - há uns tempos que oiço gritos cada vez mais perto - aos
quais se sucede o silêncio e reconheci os Nocturnos de Chopin.
Abruptamente, aqueles foram
interrompidos por um estrondo. Uma árvore que viu cederem definitivamente as
suas raízes já podres ou um homem esmagado pela dimensão do seu sonho de viagem,
tudo isto me assaltou e é recorrente.
Não está fora das cogitações daqueles
menos habituados ao mundo das árvores, a hipótese meramente académica da queda,
sempre desamparada, de um fruto maduro. Muito embora, não se tivéssemos apercebido
de qualquer rumor impaciente de animais que lhe deveria seguir.
Ali, afastado da cena principal,
envolto em fumo, após compilação de gestos e palavras murmurados, distingui o
espectro de um homem que vendia castanhas.
Cedi à tentação, de sujar as
mãos, de tinta de jornal e de cinza e pedi uma dúzia, enquanto aquele calor
sólido me descia às entranhas, podia sucumbir sobre o restolhar inquieto dos
tempos e das folhas dos castanheiros e voltar a ouvir, o tal piano solitário.
"… And
the sun was shining as it’s never shone before in 1944. Our chestnut tree is in
full bloom. It’s covered with leaves and is even more beautiful than last
year.”
Anne Frank , Diary of a Young
Girl
na cúmplice aquiescência
dos castanheiros
uma leve brisa
tece na clorofila
um devaneio de água
que a nuvem de corvos
empalidece
regurgitando
estridentes vocábulos
e no ventre macio
do ouriço verde
um pequeno coração
amadurece
Lisboa, 28 de Setembro de 2012
Carlos Vieira
“Chestnut
tree in Blossom” de 1887, por Vincent Van Gogh