Sofia de Mello Breyner Andresen
Oiço apenas o ressoar do teu silêncio que avança para mim e a minha vida apenas toca a franja límpida da tua ausência.
A ausência da tua palavra
De volta
para as palavras
como quem regressa
à longínqua casa da infância
onde adquiriam
o peso dos pássaros.
Palavras
que descem à terra
no voo rasante
dos olhares
das carícias
e dos compromissos.
Garatujar
no plano inclinado
em busca do gesto subtil
da escrita inicial
epidérmica
as palavras.
Oiço-as
para além
do roçagar do aparo
a navegar
no tremeluzir
de um corpo
intenso
de um amor primeiro.
Palavras
que nos escapam
dos lábios
no momento crucial
em que perderam
o coração.
Palavras
como espinhos
escondidos
na sombra fresca
do perfume das rosas
numa ânsia de sangue
e no êxtase
dos secretos recantos
do teu corpo.
Palavras
pássaros atónitos de luz
na nascente
da ilusão de um oásis
que sacia toda a sede
e lava o leito
já seco das lágrimas
e do sémen.
Palavras
para reinventar o silêncio
e ceder às tentações
toldadas
pela erosão do tempo
e impaciência.
Palavras
que no artifício da carta
e do sentimento
se foram apagando.
Os resíduos da tinta
permanecem
conjugam ainda o verbo
de um amor
que dizem
foi único.
Recolho
o perfume
e a áurea do suor
as impressões digitais
onde te reconheço
a olho nu.
Boquiaberto
fico sem palavras
para reconstruir
a intermitência
da tua ausência.
Lisboa, 26 de Maio de 2015
Carlos Vieira