domingo, 2 de setembro de 2012
Na morte de Marilyn
Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser atá ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou.
Ruy Belo
Marilyn Monroe por sloreXcore
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
Morte súbita com flores
Morreu de uma apoplexia
abraçado a um ramo de flores
numa paragem de autocarro,
o passe social tornou-se inútil.
Ainda “era novo” o pobre
ou melhor dizendo,
apesar do cabelo branco
estava bem conservado.
Foi uma “morte santa”
sozinho e sem pré-aviso
partiu para o outro mundo.
Ia visitar “a falecida”
ao cemitério dos Prazeres.
Todos morremos
a caminho do cemitério,
e ainda novos,
quase sempre
levam-nos as flores.
Lisboa, 31 de Agosto de 2012
Carlos Vieira
“Amantes com Flores” Chagall
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
Sonho de lobo polar (Canis lupus arctos)
Nunca cheguei a perceber, por que
razão, o lobo polar esta noite me procurou. As alterações climáticas podem
explicar, a diminuição da calote polar, a globalização, a qual, invadiu o nosso
quotidiano dos mais bizarros personagens e, as nossas noites, de toda a qualidade
de fantasmas. Mas não é de excluir, o argumento mais comezinho do aroma mais
activo de um “happy meal”, atirado no quintal do vizinho ou de um jantar, em
preparação.
De qualquer forma ele ali está,
nesta amena noite de Verão, a quilómetros das temperaturas abaixo de zero, farejando
por debaixo da tinta preta da esferográfica, as únicas pegadas que deixa, são
as letras do abecedário.
Na penumbra onde se encontra, olha
numa serena curiosidade, ora para a espantada luz branca do candeeiro, ora para
as imagens animadas de um programa de televisão reflectida numa janela, eu
espero para ver, quem é que dá o passo seguinte.
Por momentos, achei que era uma
alucinação, pois as pessoas passavam no passeio e nem sequer paravam, depois
percebi que as pessoas dos subúrbios e das cidades, não se metem na vida dos
outros, tem muitos outros problemas e mais motivos de interesse que um lobo
polar, perdido da alcateia ou aparentemente marginalizado, sendo verdade que
cada pessoa alimenta um ou mais animais exóticos na banalidade da sua vida.
Percebendo que dos inúmeros
sinais da noite, apenas a minha silhueta reagia à sua presença, dirigiu-se ainda
que desconfiado, para junto do jardim da minha casa e uivou de uma forma que me
era familiar, dir-vos-ei que daquela insólita serenata, deduzi que a fome nos
transforma humanos em animais e vice-versa, mas que também a abundância pode
ser muito empobrecedora na interpretação dos sinais.
Daí a pouco, o pobre bicho
arranhava a porta das traseiras da minha casa e gania implorando de uma forma
que me humedeceu o coração, um pouco temeroso decidi-me recolher e alimentar o solitário
lobo polar, um pouco negligente confesso, em relação ao valor científico da
ameaça que representava para a espécie humana e reduzindo a uma interpretação simplista,
o facto, da minha pessoa poder pertencer ou não à dieta do animal.
Abri a porta e foi então que a
minha gata persa branca apareceu, surpreendentemente, regressada da minha
adolescência e deixou ali a os meus pés, um pássaro que tinha caçado, nem
sombra de lobo polar, no final ao abrirmos porta da nossa casa, nunca sabemos o
que podemos libertar ou quem convidamos a entrar.
Lisboa, 23 de Agosto de 2012
Carlos Vieira
“white and white” by RoxiYuki
A educação pública
“A educação pública nunca resolve o difícil problema do desenvolvimento simultâneo
do corpo e da inteligência”
Honoré de Balzac
Poema para mulher com o deserto ao fundo
A tua silhueta
se desvanece
te devolve
ao inferno
do nada
nas dunas
de olvido
te deserda
de ternura
e de visão.
Tu és a filha pródiga,
e ninguém
recebe de volta:
a mulher
que cega ficou
na tempestade
de areia,
nem a mulher perdida
que traz
o espelho
onde nos voltamos
a encontrar.
Te fulminam
te abandonam
não se condoem
sobra-lhe
no coração
a cimitarra
da guerrilha
e da ingratidão
perante
o teu desvelo
de figos
e de mel.
Nele
só há lugar
para o golpe
de misericórdia
está extinta
a chama do saber
e cerce o gume
das trevas
degolou
a rebelião
do amor.
Querem-te assim
pássaro triste
sede do deserto
lágrimas de bruma
e alma penada
na orla da floresta
depois vai aparecer
na pele do príncipe
que te quer salvar
depois que te quis
perder.
O singelo amparo
das tuas mãos
em concha
o acolhe,
teus olhos
de tâmara
ocultos
na vegetação
do oásis
o envolvem.
Tu eras a pérola triste
no vazio
do seu coração
no cárcere
do seu corpo
ali emboscados
reside a palavra
pedra
o sangue fresco
assassino
o gesto
e no véu
rasgado
floresces
o relâmpago
do teu vulto
onde evola
o perfume
épico
da tua solidão.
Lisboa 23 de Agosto de 2012
Carlos Vieira
terça-feira, 28 de agosto de 2012
Um lugar à sombra
Ele estava preso
ao grilhão do amor
que não se esquece
na suave memória
um ardor infinito
que dilacera
e em nós vive abraçado
esse anel de calor
que envolve
a tua espera
em eterna sombra
círculo de frio
luar que impede
de reinventar
um outro sol
noutro lugar
uma outra lua
relógio ferido
dor agridoce
mártir do tempo
Lisboa, 23 de Agosto de 2012
Carlos Vieira
“Live by the sun, love by the moon”
"Tree tattoo" Maluna
que dilacera
e em nós vive abraçado
esse anel de calor
que envolve
a tua espera
em eterna sombra
círculo de frio
luar que impede
de reinventar
um outro sol
noutro lugar
uma outra lua
relógio ferido
dor agridoce
mártir do tempo
Lisboa, 23 de Agosto de 2012
Carlos Vieira
“Live by the sun, love by the moon”
"Tree tattoo" Maluna
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Um grão de pó
As chamas eternas
da solidão
te condenaram
te reduziram ao pó
atirado ao mar bravio
para que fosses
renovada inocência
da solidão
te condenaram
te reduziram ao pó
atirado ao mar bravio
para que fosses
renovada inocência
que a brisa esculpiu
na areia
que pisas na praia
esse sempre renovado
caminho do mar
e do futuro
vais devagar
pelas nuvens
de mão estendida
cheia de tudo e de nada
a plácida essência
do teu corpo audaz
e vertical
que voa pelo espaço
sideral
se desfaz
numa curva de sal e espuma
entre os seus dedos
há uma semente
que se esgueira
e de onde se liberta
a fragrância
de um novo tempo
essa corrente
que te arrasta pelo céu
errando
à mercê dos sonhos
Lisboa, 23 de Agosto de 2012
Carlos Vieira
na areia
que pisas na praia
esse sempre renovado
caminho do mar
e do futuro
vais devagar
pelas nuvens
de mão estendida
cheia de tudo e de nada
a plácida essência
do teu corpo audaz
e vertical
que voa pelo espaço
sideral
se desfaz
numa curva de sal e espuma
entre os seus dedos
há uma semente
que se esgueira
e de onde se liberta
a fragrância
de um novo tempo
essa corrente
que te arrasta pelo céu
errando
à mercê dos sonhos
Lisboa, 23 de Agosto de 2012
Carlos Vieira
Kepler 16-B (Planeta com dois sóis)
“ Dada a relação do planeta com as suas estrelas, Doyle e a sua equipa também levantaram a hipótese que o planeta tenha se formado no próprio disco de pó e gás que originou ambos os sóis.”Ver mais
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