I
entrava no pinhal
e ouvia o eco
do seu grito
ancestral
a sair pela porta
das traseiras
da infância
II
sonhava
no talho doce
das tábuas de pinho
do tecto
a contar nódulos
de medos
e das noites
infinitas
III
assalta-o
o aroma
dos afetos
e essa solidão
de resina
que escorre
por uma fenda
à sua altura
de menino
IV
lembrava-se
de ser premiado
com um fio de pinhão
e uma taça de barro
depois do corta mato
e do arranhão
da urze
V
fazia os barcos
de carrasca
que ficavam a flutuar
na memória
nos primeiros jogos
às escondidas
dos rostos e dos corpos
da ilusão
por detrás da verdade
e da mentira
dos troncos
austeros
VI
sabia
da experiência
do carvalho
no meio do pinhal
a refulgir
lustre de cristais
e da sofreguidão
das sombras
VII
lembrava-se
das varetas de sol
por debaixo
das nuvens de passagem
onde pousava
a rola no pinheiro
e do alvoroço
entre os insectos
ávidos de clorofila
VIII
esqueceu
da caruma
a fazer o Outono
na cama dos animais
dos atalhos vermelhos
por entre o musgo
de um silêncio verde
dos circunspectos
adultos
nos castanhos
erectos
IX
nesse tempo
o ar era límpido
e nas clareira
os corpos
nus amavam-se
desesperadamente
e até a falta de pudor
dos voyeurs
era inocente
X
já se ouvia
à época
um moto-serra
distante
a floresta estremecia
suspirava
e uma raposa
era um relâmpago
fugaz
um arrebatamento
XI
ainda se lembra
do tojo que o picava
reaprendia
a contenção do gesto
a cicatriz
estrela clarividente
da pele
após a inolvidável
e abrupta
presença do sangue
XII
apanhava pinhas
e sabia dos últimos
esforços do vento
e calculava
a altura da queda
e a exata percepção
das cores
na útil fragilidade
de uma natureza morta
XIII
subia a um pinheiro
e daquele mastro vivo
abarcava
todo o oceano
no azul
a esteira de um olhar
embriagado
de aventuras
à sua espera
depois do mar verde.
Lisboa, 11 de Novembro de 2015
Carlos Vieira
Foto de autor desconhecido