segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Respiro esta explosão de verdes...



Respiro
esta explosão de verdes
ponteados de rosa
dos aloendros 
e cardeais
agitando o mar ao fundo
poentes
outras flores de espuma 

na penumbra dos espinhos acerados 
reflexos de sal 
e peixes tímidos
o canto do melro
eloquente
alude ao insondável mistério
das ilhas

e nele sobrevive 
exangue
um familiar
desesperado coração 
da noite.

Manadas, S. Jorge, 3 de Agosto de 2015
Carlos Vieira

domingo, 2 de agosto de 2015

Pedra pomes



Fixo
o fogo do olhar 
na porosidade
do seu dorso erecto
entre o rumor
do banho
adivinho-lhe
o seu corpo que dança
antes da fragância 
que inibria
e o voo convexo
da sua mão fechada
na leveza 
da pedra pomes
por debaixo
da sua pele
ressona um vulcão
adormecido
que sonha 
no caos do coração
a limpidez
do futuro.

S. Jorge, 2 de Agosto de 2015
Carlos Vieira


Rasgando horizontes



Ali estás
a tua pontiaguda
verticalidade
a coberto de um véu
de névoa
e um sol
a resfolegar
pousado no cume
da solidão
que escorre
pelos flancos
da tristeza
desce
um manto
de bruma
que o deixa
seminu
entregue
a si mesmo
na horizontal
o mau tempo
e o canal
eu e tu
aqui estamos
de novo
frente a frente
equidistantes
companheiros
em separadas ilhas
de alegria contida
com tantas viagens
por contar
e tanta despedida
e silêncios cúmplices
de permeio
nas entranhas
um grito
prestes a irromper
um vulcão interior
voz de negada misericórdia
a que se junta
à daqueles
que escalam
o alto pico da justiça
por fazer.

S. Jorge, 2 de Agosto de 2015

Carlos Vieira

terça-feira, 28 de julho de 2015

Subo...

subo
a escada em espiral
da noite
e da torre da madrugada
lanço as sementes
de um sonho
com raízes nas trevas
e os gestos precários 
dos afectos
da luz

Lisboa, 28 de Julho de 2015

Carlos Vieira

Uma pedrada no charco

Uma pedrada no charco
o teu rosto na água estagnada
uma leve ondulação
o teu sorriso que se esbate 
tristemente
os rios secos 
e os corpos cansados do Verão
a longa espera da corrente
de um turbilhão
que nos lave
que nos leve

Lisboa, 28 de Julho de 2015

Carlos Vieira

segunda-feira, 27 de julho de 2015

o meu reino que é deste mundo


oiço um motor de rega
monótono
uma libelinha atravessa o rio 
em voo rasante
um cachorro truculento
embrenha-se no canavial
o meu pai
encaminha a água
e perseguindo as toupeiras
pragueja 
eu obrigo
o grilo a sair da toca 
com as cócegas
de um feno

no próximo Verão
terei de pé
um novo mundo

Lisboa, 27 de Julho de 2015

Carlos Vieira

Enquanto esperava...

enquanto esperava
o bico de lacre 
no bebedouro
morreu só
de sede 
preso 
na gaiola agitada
das suas sombras

Lisboa, 27 de Julho de 2015

Carlos Vieira