Confesso-vos
que tenho uma inexplicável
afeição pela palavra
lâmina
nomeadamente
se forem de dois gumes
da sua competência
de penetrar
na substância.
Não que nutra
reverência
seja para mim
um especial fetiche
ou que subsista
medo ancestral
por facas ou faquires.
Não tenho
um ódio visceral
a quem esconde
o punhal sub-reptício
na ilharga da penumbra.
Nem me assola
qualquer memória
de antro ou cave ou beco
de faca na liga
ou coriscante centelha
da navalha cigana
de Lorca.
A minha mão nervosa
ou a minha circunstância
nebulosa
podiam até invejar
o extirpar cirúrgico
do bisturi
não são
na minha óptica
causa suficiente.
Tenho ainda
a mesma aversão
que qualquer mortal
às baionetas caladas
das guerras surdas.
Não digo porém
que não me inspira
particular ternura
este amolador
que irrompeu e feriu
a madrugada
da cidades adormecida
e com seu realejo
reabriu cicatrizes
que há muito
julgava curadas
e esquecidas
nas brincadeiras de criança.
Infância
essa ponta e mola
que salta inoxidável
para nos defender
da intolerância
dos tempos.
Esse canivete suíço
com que descascámos
os frutos
aparávamos
o conhecimento.
Nas papilas
da palma da mão
podemos encontrar
na confluência dos deltas
o gume das lâminas
das unhas e de palavras
afiadas
que acompanhavam
até à eternidade
juramentos
de sangue e de amor
e pequenos golpes
e incidentes.
Lisboa, 27 de Setembro de 2014
Carlos Vieira