Parece que te estou a ver
na tua frescura erecta
surpreendente na sua entrega
tempestuosa e vertical
depois mesmo quando
te descalçavas
sobre a terra negra
ias articulando
o teu gesto pausado
e natural
numa desenvoltura elegante
no meio da horta
como quem vai acalmar o mar
e ascender aos céus
na curva da tua cintura
sobre os canteiros
de plantas aromáticas
adivinha-se a distância tensa
e ansiosa dos animais
um aroma que se confundia
com a resina dos pinhais
e para as aves da manhã
tu eras a hora marcada
para regressarem
de novo à vida
podiam rever-te a sorrir
enquanto o ramo de hortelã
te aflorava das mãos
tão lúcidas
e cheias de tudo e de nada
acesas
de uma brancura insólita
momento de sofreguidão
em que de si
se esquecia
e se te vislumbrava
a vigiar a ternura das vagens
e a admirar os frutos
ou se olhavas para o céu
era porque
no teu silêncio
germinava mansa sede
nos campos
em adoração
levantava-se
o murmúrio do desejo
e o rumor de uma oração à chuva.
Lisboa, 11 de Setembro de 2014
Carlos Vieira
“Aphrodite” by William-Adolphe Bouguereau