Esperamos a hora
em que possa convergir
na voz
que nos interpela
na indiferença,
no tampo da mesa
por onde resvala a mão
agora acidental,
nas palavras
que se aglomeram
numa frase de circunstância,
nos olhares
que se cruzam
nos corredores,
por não terem
para onde fugir,
esperamos
uma gélida aspereza
que nos desperte
para o confronto
com a dor que adivinhamos
esculpida
naqueles que nos cercam,
e nos decifre o significado,
o território da tristeza
e nos arranque
do pântano da morte lenta
onde nos debatemos,
neste tempo de tédio
onde chegámos,
depois que fomos abandonando
quase tudo
em que mais ou menos
acreditámos,
e aflore em nós
uma nova perturbação
que nos convoque
para fazer
da voz, da mesa, das palavras
e do olhar,
outro gesto de destemor,
de voltar
à ternura
em que nos conhecemos
e possamos deixar de viver
orgulhosamente sós
na clausura do desamor
por dentro da pele
delicada
de cada momento.
Lisboa, 25 de Agosto de 2014
Carlos Vieira