domingo, 18 de maio de 2014

Lanterna II

lanterna
que vai á frente
não vai atrás

Lisboa, 18 de Maio de 2014
Carlos Vieira

Amor livre



O teu busto refulge
emerge do mistério da seda
tudo é em ti cintilação fria
estrela longínqua
dos punhos de renda
desabrocham em concha 
as tuas mãos macias
de acalmarem a tempestade
e nos teus lábios 
que foram de fogo
surgem também uma a uma
as palavras do gelo
cauterizando o excesso
da emoção
depois a coberto 
do tecido da noite diáfana
fui abrir a gaiola dourada
que para ti 
tinha construído 
de tanto amar te perdi
e sem a querer
deste alforria 
ao meu coração.

Lisboa, 18 de Maio de 2014

Carlos Vieira

Ode à precariedade

Tenho
uma especial 
simpatia
pelo efémero
que se vislumbra
num breve pestanejar
no imperceptível
espreguiçar
das asas dos insectos
no rumor
da água que sobe
da raíz até ao caule
no toque da pele
nos contornos da noite
de insónia
nas inúmeras
pequenas estupefações
de abertura
das portas e janelas
no perfume
de tinta e das palavras
permanentes
nas cartas antigas
guardadas 
nas caixas dos sapatos
da saudade
na sinfonia das ondas
numa noite sem estrelas
e pés descalços no areal
de lembrar-se de um amor
se uma mão pousa
no ombro
desconhecendo
que se tratava
de uma despedida
definitiva
daquele vestido 
de um único Verão
que na memória
durante tantos anos 
se colou ao seu corpo
da primeira vez 
que dançou contigo
um slow
sem se dirigirem
uma palavra
e seus corpos possuídos
sem se tocar
naquela noite
dizerem quase tudo
dos cabelos ao vento
do calor dos teus seios 
nas suas costas
e deitados 
eles e a mota
na curva fechada
cercados do perfume da resina 
e dos pinheiros
a caminho de S. Pedro Moel
vestígios desse inútil privilégio 
de poder subir as árvores de calções
e comer todas as cerejas
e as tangerinas
perante o olhar
condescendente dos avôs
da alegria da aventura dos rios
entre canaviais
sempre a correr
sem tempo e sem sossego
e sobretudo poder amar 
o subtil momento das aves
dos seus cantos e assombrações
das armadilhas e dos ninhos
e dos bebedouros
na sua imperfeita e desajeitada
dedicação à poesia
impaciente ornitologia
das almas.

Lisboa, 18 de Maio de 2014
Carlos Vieira













sábado, 17 de maio de 2014

Na sala de espera



Podem sentar-se
que a espera
vai ser prolongada
esperem
o mais confortável
possível
pela eternidade
como se tivessem
morrido
sem dar por isso
a paciência
é algo
que nunca é demais
exercitar
libertando-nos 
do melodramático
peso da morte
sentem-se
descansem 
em paz.

Lisboa, 17 de Maio de 2014
Carlos Vieira

Do beiral...

do beiral
partiu em voo as andorinhas
que propagaram a noite sem lua


Lisboa, 17 de Maio de 2014
Carlos Vieira

Vistoria



mergulho e examino
os pilares do conhecimento
da sua resistência
soltam-se borbulhas
tenho pouco tempo
para deixar
o abismo azul
e voltar à superfície
e me libertar
da dúvida

Lisboa, 17 de Maii de 2014
Carlos Vieira

sexta-feira, 16 de maio de 2014

barco de papel



quero um poema
que abarque
o teu sorriso puro 
de alumiar
o fim da nossa primeira noite
e que ao mesmo tempo
tenha um pé
na madrugada de um futuro
naquilo
que pensávamos
poderia ser sorridente
e do alto da gávea 
de um verso 
pudesse avistar
a poente 
o regresso da tua silhueta
e na náusea da espera
poderá pousar
a bordo da poesia
a ave 
de uma secreta alegria
com que me ensinaste
a vencer a grande e a pequena
tempestade

Lisboa, 16 de Maio de 2014


Carlos Vieira