quarta-feira, 23 de abril de 2014

Flores de liberdade



revolução dos cravos, 
das flores
de Abril, de 74
enfim 
de uma manhã de sol
lembro-me 
que a minha mãe
arejava a casa
e fazia a limpeza semanal
embora
goste de considerá-la
uma premonição
ficou-me 
a frequência
e a força da expressão
de um rádio sintonizado
no coração
e a alegria da liberdade 
proclamada
aos sete ventos
frase feita
seja lá o que isso for
para os meus catorze anos
o ser, o querer ser, 
o dever ser 
livre
tinha razão
o que nessa idade
e tempo da ilusão
por livros viajados
fez o mapa do mundo
e o ser humano
duma dimensão
incomensuravelmente maior
do que aquela 
que pudera algumas vez 
sonhar
e é essa amena flor
que interessa regar
é dessa revolução 
tranquila
que estou a falar

Lisboa, 23 de Abril de 2014
Carlos Vieira

Flores de jardim XX



pediu à florista
- " quero flores?"
ela retorquiu
- "que flores? 
para que efeito?
ou "para que enfeito?"
- " não sei! quero
flores verdadeiras!"
desesperada,
a florista insistiu
- " quer um bouquet?
uma coroa? um arranjo?
dois ou três pés"
- " é para uma mulher? 
para alguém que faleceu?"
subitamente,
parecendo acordado
replicou " não!
são para mim! 
talvez, dois três pés!
sobretudo é importante
o seu perfume!
que me faça lembrar,
para quem vivo
e por quem morro!
flores de coragem,
que aguentem!"

Lisboa, 23 de Abril de 2014
Carlos Vieira

terça-feira, 22 de abril de 2014

Flores de jardim XIX



Existe sempre 
em qualquer reino
um jardim proibido
por decreto
para que a donzela
descanse
no seu dossel 
florido
e leia o texto
censurado
uma folha seca
marca a passagem
secreta
onde a donzela 
suspira
e vai esperar
o príncipe
que depois
impotente
se revela.

Lisboa, 22 de Abril de 2014
Carlos Vieira

Flores de jardim XVIII




sobre a roseira o jardineiro curvado
entre rosas e espinhos, a barba e cabelo branco
efémera ilusão de um decadente rei coroado

Lisboa, 22 de Abril de 2014
Carlos Vieira



Flores de jardim XVII



a hera tece 
em pouco tempo
a sua renda verde
por cima do cinzento 
da pedra vulcânica
muitos séculos 
depois do rumor 
do fogo
o ensurdecedor
silêncio da seiva

Lisboa, 22 de Abril de 2014
Carlos Vieira

flores de jardim XVI


dou-lhe uma flor
uma qualquer
que na sua essência
lembre à mulher
que amo 
do meu amor
sendo assim
será mais 
que uma flor
e em cada espinho
o caminho
aceso da pétala
e da pele 
o perfume 
a que chegámos
destilado
a partir das noites
de suor e mel
dou-lhe esta flor
fruto da madrugada
que foi nossa


Lisboa, 22 de Abril de 2014


Carlos Vieira

flores de jardim XV

o samurai contempla no vale
as flores de laranjeira
agora aguarda serenamente 
a morte
o último combate


Lisboa, 22 de Abril de 2014
Carlos Vieira