O café do Sr. Serafim
era um pequeno estabelecimento
de bairro e no qual agora se vai
acumulando o pó
e montras e vida embaciada
e três mesas
serviço em câmara lenta
meticuloso
e cabelo cortado à escovinha
o dia-a-dia e fecho ao domingo
religiosamente
para "estar" com a sua senhora
hoje o movimento mede-se
em trinta bicas, cinco com cheirinho
seis garotos e seis descafeínados
vinte galões com tendência para diminuir
uma clientela fixa de idade já avançada
perpassando pelo minúsculo espaço
um cheiro intenso de perfume barato
e alguma naftalina
tudo com muita educação
discrição e murmurado
em voz baixa
"foi no que deu a liberdade"
dada a exiguidade
das vidas e dos espaços
vendia alguns pastéis de nata e queques
e ao mesmo pensava para os seus botões
os cuidados com os seus diabetes
umas garrafas de água com gaz
e muitos copos de água
algumas guloseimas para os netos
um ou outro whisky novo
e alguns cálices de aguardente
foi-se o movimento de outros tempos
quando teve que meter um rapaz
que lhe deu tanto jeito
para as suas escapadelas
em que tinha outra idade
e outro garbo
para comparecer às exigências
dos conturbados e tórridos encontros
com a Generosa
sua fiel amante desde sempre.
Lisboa, 9 de Abril de 2014
Carlos Vieira