quarta-feira, 19 de março de 2014

Reinvenção do amor



Foi de soslaio
que te revi
e ao voltar-me
para ti
ao regressar
ao teu nome
já não estavas
agora
o meu amor
é apenas
e de novo
a sombra
o lugar
onde te perdi
amar
é pedaço
a pedaço
voltar
a ter-te
inteira
a ti e à tua
sombra
e confundir
o teu nome
com a noite
e o teu corpo
com a madrugada.

Lisboa, 19 de Março de 2014
Carlos Vieira


segunda-feira, 17 de março de 2014

poemalagunar



O pequeno lago
surgiu na circunstância
das grandes chuvas
pequeno olhar
que testemunha
os movimentos
imperceptíveis das estrelas 
cintilantes e insones
perante as bátegas
irradiando ondas circulares
o interrupto estrépito
das pequenas rãs
que crepusculares
temem o inexorável fim
do pequeno lago.

Lisboa,17 de Março de 2014

Carlos Vieira

Pede um ...

Pede um whisky de malte
bebe vários de um trago
até estar seguro
que te pode abandonar
à tua sorte.

Lisboa,17 de Março de 2014

Carlos Vieira

Fragmentos de Vénus



rende-se
ao ardil
dos teus lábios

a labareda
das tuas mãos
lambe devora o seu tronco

cresce o desejo
e no teu rosto o mistério
se desvanece

estás nua
de pé e de costas
ninguém te fica indiferente

apanha o teu cabelo
revela o perigo
que é a curva do teu pescoço

ficas em silêncio
quieta
inacessível

não a pode ver
o cabelo na face e os seus olhos
são animais na penumbra

agachada os seios tocam
as suas pernas
nunca espera por ninguém

tu és uma estátua
firme e inteira na esquina da praça
toda a  gente te aponta e te vê passar

mulher a dias e de todos os dias
com tuas espáduas
afastas as hienas que te esperam nas noites

Lisboa,17 de Março de 2014

Carlos Vieira

O poder da palavra


O que fazer?
vou alinhavando
as palavras
na folha em branco
lanço-lhe um apelo
ou acentuo-lhe
as sílabas
ou chamo-as
pelos dois nomes
como a minha mãe fazia

deixo-as
voar como os áugures
na minha mente
ai se eu as soubesse ler!
que elas me ajudem
a encontrar o caminho
da razão
daquela palavra
que abre ao mesmo tempo
no coração
uma clareira
no desassossego

a palavra
sombra breve
para um momento
de descanso
sem palavras
de traduzir o silêncio

se seguindo
palavra a palavra
pudesse voltar
onde eu um dia te perdi
e tu te calaste

se eu tivesse
um discurso
se eu soubesse
o que dizer?

Lisboa, 17 de Março de 2014

Carlos Vieira

domingo, 16 de março de 2014

Contra o silêncio

Contra o silêncio

I
Escreve
lança palavras 
e mais palavras
à terra 
ao mar
ao vento
até esqueceres 
a língua materna
e voltares a ser
um animal
a uivar
sem cessar.

II
Usa
a caneta
como um escopro
que faz soltar
lascas e chispas e lascas
das pedras caladas
até ganharem alma
solidária
e serem no mundo
esquinas 
de revolta
de vento a assobiar.

III
No labirinto 
de um país
encontras portas 
para o abismo 
e saídas 
para o nada
sem futuro
onde se já
foi feliz e tudo
agora cresces
outra vez
com medo 
solta o verbo e diz
nem que fiques
a falar
sozinho.

IV
Um mar de chumbo
e nenhum navio 
ou rastos na praia 
uma vida inteira
a contar 
grãos de areia
e a seguir
as tangentes dos voos
das gaivotas
a crocitar
naufrágios
e tempestades
canta canta sempre
nem que sejas
um humano
e que sejam apenas
cantos de sereia.

V
A casa
a trinta metros da altura 
da vida
é um ataúde
de três assoalhadas
e uma hipoteca
no sétimo andar
da solidão
e do desespero
mas sai
vais em pé 
no elevador
para debaixo do chão
resiste
não te deixes
enterrar vivo
carrega no alarme
e grita grita grita
reclama
tudo que te cabe
no coração.

VI
No céu 
nem uma nuvem 
ou astros
ou uma ave
dali agora 
não esperes nada
nem o relampejar
ou o troar
de uma ideia
ou gesto 
de misericórdia
tu és o trovão
e um raio na terra
pássaro estridente
astro de fogo
herói 
soerguendo-se
do vazio.

Lisboa, 16 de Março de 2014
Carlos Vieira





sábado, 15 de março de 2014

A caixa das mudanças

Avariou-se
a caixa de mudanças 
do meu carro
agora só
anda em primeira
que grande mudança
nas nossas vidas
pode ser a vida
sem carro
no mesmo ritmo
a pedir outras
mudanças.

Lisboa, 15 de Março de 2014
Carlos Vieira