Contra o silêncio
I
Escreve
lança palavras
e mais palavras
à terra
ao mar
ao vento
até esqueceres
a língua materna
e voltares a ser
um animal
a uivar
sem cessar.
II
Usa
a caneta
como um escopro
que faz soltar
lascas e chispas e lascas
das pedras caladas
até ganharem alma
solidária
e serem no mundo
esquinas
de revolta
de vento a assobiar.
III
No labirinto
de um país
encontras portas
para o abismo
e saídas
para o nada
sem futuro
onde se já
foi feliz e tudo
agora cresces
outra vez
com medo
solta o verbo e diz
nem que fiques
a falar
sozinho.
IV
Um mar de chumbo
e nenhum navio
ou rastos na praia
uma vida inteira
a contar
grãos de areia
e a seguir
as tangentes dos voos
das gaivotas
a crocitar
naufrágios
e tempestades
canta canta sempre
nem que sejas
um humano
e que sejam apenas
cantos de sereia.
V
A casa
a trinta metros da altura
da vida
é um ataúde
de três assoalhadas
e uma hipoteca
no sétimo andar
da solidão
e do desespero
mas sai
vais em pé
no elevador
para debaixo do chão
resiste
não te deixes
enterrar vivo
carrega no alarme
e grita grita grita
reclama
tudo que te cabe
no coração.
VI
No céu
nem uma nuvem
ou astros
ou uma ave
dali agora
não esperes nada
nem o relampejar
ou o troar
de uma ideia
ou gesto
de misericórdia
tu és o trovão
e um raio na terra
pássaro estridente
astro de fogo
herói
soerguendo-se
do vazio.
Lisboa, 16 de Março de 2014
Carlos Vieira