sábado, 22 de fevereiro de 2014

Mãos no ar! Isto é um assalto!

- Mãos no ar! Isto é um assalto!
A empregada do balcão obedeceu prontamente, olhou aquele homem de gorro e máscara, a arma poderia ser um brinquedo de miúdos, era Fevereiro, Carnaval. Os seus óculos graduados começaram a ficar embaciados e uma gota de suor descia-lhe pelo lado esquerdo do rosto.
O assaltante aproximou-se de si, apenas para a revistar, foi então que reconheceu aquele perfume e desmaiou, caindo de novo nos braços do único ladrão que a roubou na vida.
Ouviu-se o estâmpido de um tiro, um disparo acidental e o estrépito da arma caída a deslizar no chão imaculado do azulejo.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira



Consulta de rotina

Senta-se 
no sofá 
na enorme
sala 
de espera
do mundo.

Aguarda
a consulta
de vez
em quando
quer 
que alguém
a veja
por dentro
e por fora
o seu mundo.

Os autofalantes
gritam 
o seu nome.

Já há muito
que só 
está 
neste mundo
para fintar 
as dores.

Levanta-se
farta
de esperar
já não quer
que ninguém
a veja
de tanta
solidão
já esqueceu 
o seu nome.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira

O cão d'água português



Um cão vadio
no entretanto invade
o meu campo de visão
tolda-me a imagem
e interrompe-me
o pensamento.

Olha para mim
estudando-me a reação
alça a perna 
e marca território
faço parte da paisagem
foi o seu único
julgamento.

Prossegue 
o seu destino
ao fundo da estrada
abana a cauda 
de contentamento
pois nada mais tem
senão o mundo.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2014


Carlos Vieira

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

História de um pequeno passo



Faz hoje 44 anos 
que o homem 
punha um pé na lua
a preto e branco
eu punha um pé 
pela primeira vez
no Jardim da Estrela
tudo ao vivo e a cores
para a posterioridade
hoje estas memórias
ocupam o mesmo peso
elevam-se no espaço
com a mesma gravidade
para mim feliz coincidência
irrelevante para a humanidade.

Carlos Vieira

Sei que o teu olhar...

Sei
que o teu olhar
é ainda
um pássaro
em chamas
a atear
esta árvore
de sangue
onde resido
abandonado
templo
sombra
e eco
do que  ficou de ti.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2014

Carlos Vieira

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A troca de olhos


Trocou 
os estores japoneses
por uns de bétula
mais claros
vejo os seus olhos 
castanhos 
como dois animais
escuros
entre lâminas
feras errantes
subindo e descendo
na pauta
a trautear a solidão.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira

A pomba

Às sete da manhã em ponto a pomba
em cima da campânula do candeeiro
usufrui dos últimos resquícios de calor
espera que na casa em frente se acenda
a luz e possa voar de novo vislumbrando
do peitoril da janela a diáfana nudez
que desperta  na rapariga do 1.º andar.

Lisboa. 20 de Fevereiro de 2014

Carlos Vieira