quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Vê-te descer...

Vê-te descer
as enormes escadarias
trazes meias de vidro
e olhos de cristal,
para ela 
ele era
transparente,
um desastrado
na sua timidez translúcida,
o limpa pára brisas
embaciado
oferece-te,
no meio da praça
a asfixia de um abraço
o golpe de misericórdia
daquele beijo
esse mistério
de meias de vidro
que permanece desconhecido
que lhe fragmenta a alma
de cristal.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2014

Carlos Vieira

Entomologia



Gosto do nome
das famílias
e das ordens
dos insectos
daquela subtil
organização
do seu mundo.

De lhe ver
correr o sangue
umas vezes verde,
outras, azul,
em função
da dieta vegetal
ou de dose
demasiada de céu.

De observar
o seu coração pulsar,
umas vezes cheio
e outras no vazio.

Gosto do seu olhar
poliédrico
a decifrar
os matizes
do mundo.

Das antenas
e asas a vibrar
em épocas de cio.

Dos seus voos
de planta em planta
das suas transações
com as flores.

Gosto
que os insectos
sem excepção,
tenham uma ordem
e uma família.

Está dito
não gosto de parasitas.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira




A cigarra e a formiga



A formiga e a cigarra
acho alguma pida à história
faço aqui uma declaração de interesses
sou muito mais formiga que cigarra
mas quantas vezes
almejava ser cigarra
e quando o consigo ser
dá-me um formigueiro
olho para não sei quantos
mil desempregados
e mando à merda
a moral da história.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2014

Carlos Vieira

A propósito das moscas

“ Eu sou a minha liberdade!”
As Moscas
Jean-Paul Sartre



“Se eu fosse mosca!” é uma expressão que não me ocorre, não é que não seja também, picado pela curiosidade, como um qualquer simples mortal , também a tenho, por algumas coisas, quase mórbida.
Mantenho contudo com elas, uma relação, pouco cordial, escatológica, só porque não respeitam a distância, de que delas procuro manter, só porque, me parecem seres que se adaptam facilmente a qualquer realidade, à merda que fede, porque ocorrem à morte e estão com a situação.
Não lhe arranquei asas na infância, talvez porque, oportunamente me caíram na sopa. Não lhe tenho um ódio visceral, mais um desprezo de estimação, não gosto dessa sua actividade de quem leva e traz, não lhe permitirei ocupação.
Não, não gostaria de ser mosca, isso da curiosidade, do saber, é outra coisa, não tem cheiro ou tem o cheiro a liberdade.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira


A inacreditável vida dos insectos


Eu e os insectos
é um amor recente.

Aliás, familiarmente,
eram sujeitos
e condenados,
a constante repulsa
e segregação,
nem todos
felizmente,
é bom que se saliente.

Nem por influência
de Darwin
que é cientista
que aprecio,
considerando
as sua teorias da evolução,
senti por aqueles
particular admiração.

O que é certo
é que despertou
em mim,
este amor tardio
esta atenção
pelos pequeno seres
desprotegidos.

Talvez
a sua delicadeza
não excessiva,
a geometria
das suas silhuetas,
o rumor da sua voz.

E a voz
é um belo instrumento
quantas vezes
me deixa sem fala,
não se ouve
nem uma mosca.

Os insectos
e a surpresa
dos lugares
onde com eles
nos deparamos,
por vezes
os únicos companheiros
de solidão.

Concedo
que possivelmente,
tudo isto esteja relacionado
com o facto de hoje,
estarmos mais atentos,
mais sensíveis,
mais libertos de ilusões
e só agora
os “percevejamos”!

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O mundo é pequeno

!

No pequeno mundo
onde crescemos
cada vez mais
olhamos de alto
o mundo de outros
mais pequenos
precários bichos
os gatafunhos
que descrevem
medos profundos
a roer pacientes
troncos suportando
grandes mundos.

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira

Poetas e outros parasitas


A pulga
é um animal em vias de extinção
pois quem ouve falar de pulgas.
O piolho 
já não, pois apesar 
de não se ouvir falar
é ver as pessoas a coçar a cabeça
por todos os cantos.
Ninguém se queixa que lhe mordeu
uma pulga
embora se confundam 
com Espírito Santo de orelha.
Ambos os bichos parasitas
tem algo semelhante 
à poesia.
Calamos que fomos atacados
por tais insectos,
não é bem visto em sociedade
pode transformar-se em pandemia.
Por favor 
não me chamem poeta
que apenas sou 
devido à minha enorme presunção.
Poeta pelos vistos 
pode ser pior
que piolho ou pulga
ou filho da mesma família.

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2014


Carlos Vieira