sábado, 28 de dezembro de 2013

TESEU SEM MINOTAURO



para o Manuel de Freitas

Como em qualquer labirinto, estas esquinas
apenas garantem que não há certezas
na direcção do futuro. Lisboa
nunca foi como em tempos a sonhei.

E contudo venho aqui em peregrinação
habitual, sem tão-pouco saber que lhe pedir.
Indecisões da fé e da sua alavanca diminuta,
à qual desmesuradamente chamamos coração.


Vitor Nogueira

Restaurante

Leva-me outra vez para a mesma mesa
onde fico de costas para a janela
onde o tempo me esquece
onde nada me toca
o teu gesto protege
o teu corpo separa
a água que me dás
interrompe a memória

Só à porta da rua
o tempo reaparece.

em A Oriente, 1ª edição, Lisboa: Editorial Presença, colecção Forma – 38, 1998, p.12

Nada nem nenhum...

Nada nem nenhum
guarda garante o sono,
senão o medo que vela
à cabeceira.

Noites preenchidas de demónios

e quimeras.

A candeia quase extinta
à míngua de azeite
é que fabrica as sombras.

Depois, pela manhã,
lambo as feridas,
penteio-me como se
tivesse dormido, como se

não fosse nada.










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A pele a cores dos mineiros




Toca a sirene
é hora de sair da mina 
saem os brancos, os pretos, os amarelos 
todos negros
e no fim da vida 
pode-se dizer que saem azuis
com crateras de silíca imaculada
nos pulmões.

Lisboa, 27 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Os Poetas Trabalham à Noite



Os poetas trabalham à noite
quando o tempo não urge sobre eles,
quando cala o rumor da multidão
e termina o linchamento das horas.

Os poetas trabalham no escuro
Como falcões noturnos ou rouxinóis
de dulcíssimo canto
e temem por ofender Deus.

Mas os poetas, em seus silêncios
fazem bem mais rumor
Que uma dourada cúpula de estrelas.


Alda Merini

Poema em reconstrução




O vento sopra desalmadamente
folhas de papel, plásticos, ramos voam pelo ar,
na rua larga do poema não fica pedra sobre pedra
vai tudo à frente, as  palavras viradas do avesso,
esventradas, no estaleiro em frente, um operário
assobia uma canção familiar.

Lisboa, 27 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Fahrenheit 451

»Número um: sabe por que livros como este são tão importantes? Porque têm qualidade. E o que significa a palavra qualidade? Para mim significa textura. Este livro tem poros. Tem características. Este livro pode ver-se num microscópio. Encontraria vida por debaixo da lente, a passar numa quantidade infinita. Quantos mais poros mais detalhes verdadeiramente registados de vida por centímetros quadrado encontrar numa folha de papel, mais «literário» será.


Ray Bradbury, Fahrenheit 451