"Terres des deux fleuves" de Anselm Kiefer
Sou como o rio
que se abraça às raízes
na margem
de um desconhecido
caminho.
Sou como o rio
de uma corrente
que não sei
se nasce
dentro ou fora
de mim.
Sou como o rio
onde descanso
e penso
o rouxinol
e a sombra
espero o canto
que é seiva
e ânimo
do salgueiro.
Sou como um rio
que sonha
no horizonte
o côncavo
fulgor
de uma ponte
que floresce.
Sou como o rio
para onde
me inclina
um aroma de maças
em oblíquo
num cesto de verga
desce a vereda
e as primeiras horas
das manhãs.
Sou como o rio
sob o adeus verde
do canavial
que delimita
o sabor
dos pomares
o saber
dos refúgios
e eco
do rumor
dos insectos
e que transborda.
Sou como o rio
onde decifro
as legendas
súbito reflexo
dos peixes
à tona de água
depois
que se perderam
na escuridão
das fendas
e que ficaram cegos
ao desfazerem
os remoinhos
da dúvida
evitando
o vórtice do nada.
Sou como o rio
que incessante
corre
e neste pulsar
de água
a terra negra
treme
o ouro do trigo
oscila
no poente
no bulício do cais
estremece
gente
que leva consigo
aquele
que está perto
e o distante.
Lisboa, 3 de Novembro de 2013
Carlos Vieira