Sulcos
de sangue
no rio
no mar
são
rastos
raios de luz
um vulto quase humano
o eritreu
caminha sobre as águas
o murmúrio de tumulto
após a voz rouca
de pregar aos peixes
vésperas
de sal a sol
e de naufrágio
na noite insaciável
o logro de lâmina
embainhada
afiada palavra
libertando
perfume de âmbar
sem refúgio
saber
o segredo secular
das pérolas
ao regressar
fugir
à rotina do sol
das missangas
ressuscitar
voltando a preencher
o lugar do corpo
que se quis reinventar
na tempestade
saber do insólito gesto
que era uma desajeitada
preposição de flor
uma janela
noutra terra
estudar o logaritmo
da viagem
do beijo
na melodia da espera
da despedida
da coragem
entre o crepúsculo
e as tréguas das gaivotas
partilham-se
centelhas
de um tempo de esperança
um fragmento
de terra à vista
querer voltar
a esculpir o sabor
do seio túmido
da terra prometida
de amadurecer
um sonho ao relento
mediterrânico
na longínqua longitude
das pedras
em fila indiana
a caminho da alma
etíope
ingenuidade ou espanto
sempre a miragem
sempre descalços
por todos os desertos
é incrível o ruminar
das águas
no seu leito subterrâneo
e em simultâneo
com a transumância dos astros
incansáveis
na sua imprestável
vigília dos justos
testemunhando
o intrépido percurso
do coração nas trevas
enquanto isso
fixam-se os vestígios
da crueldade da guerra
nos olhos sem fim
das mães e das crianças
que deambulam
entre os escombros
do desencanto
e o reconhecimento
do fundo do mar
amoras ainda brilham
entre espinhos
tornando o silêncio
mais suportável
dele se ergue o canto
e o grilhão dos escravos
volta a ouvir-se a medo
adquire
a tonalidade da pele
o absurdo
limite do antigo território
das tâmaras
a sua mão descansa
na amurada
na solicitude
na anca
do reencontro
com a vida
talvez pareça desafiar
a feroz presença
da razão
que impede
a inesquecível
reprodução
de todas as madrugadas
a grandeza
do homem
de desbravar outro
caminho
no rio os raios de luz
no mar juncado
de cadáveres
sulcos de sangue
insurrecto
para eles da vida
apenas sobrou
a coragem de ousar
a vergonha
da europa.
Lisboa, 12 de Outubro de 2013
Carlos Vieira