quarta-feira, 10 de julho de 2013

O regresso à minha terra



Povoações esquecidas
e uma ânsia de olhares
por outras vidas.

Os nossos semelhantes
com seus rostos maravilhosos
tisnados
suas rugas de agora
são os silêncios e as dúvidas
de dantes.

Humildes
de tanto lavrar desencantos
de entretecer delicados
crepúsculos e memórias
e ainda, recantos surpreendentes
para o reencontro dos lábios
cântaros de água fresca
que repousaram
à sombra da memória
de onde ladram os cães.

Enquanto isso sigo
sozinho
com as mão nos bolsos
pela rua única
olha o perigo
a multidão silente
de tanta gente só
por um postigo
vou até à sua noite
chama-me aquele perigo
da solidão de cada um
a beber um copo.

Ombro a ombro
cá dentro reinvento
o cinzel e o espaço
para cada um
e em cada rosto
um tempo
com um pouco de sorte
o golpe em que a todos reconheço
depois a fonte da aldeia
essa ferida eterna
de onde escorre
a teia
daquela
que volta para ser
a minha solidão

Lisboa, 10 de Julho de 2013

Carlos Vieira

Sem lugar



Lugares
a que parece
sempre pertencemos
paisagens em delírio
que colhem
dentro de nós a raiz
de uma súbita ribeira
na sua margem
sentados a comer figos
a molhar os pés
depois regressamos
descalços pelo asfalto
a uma cidade
que esquecemos
e reconstruímos
a partir
da explicação dos pássaros
à sombra
do exílio
de um salgueiro.

Lisboa, 9 de Julho de 2013
Carlos Vieira



Skinny Love - Birdy/Bon Iver - cover by Sandra Moreira

terça-feira, 9 de julho de 2013

Qual o meu lugar


Há lugares assim
para os quais
uma força desconhecida
nos impele
onde não existe fim
nem céu
que nos convença
e nós ali ficamos
deitados contra à terra
e rente à pele
tão pura e serena
medra
uma exaltação
a azáfama
de uma pequena guerra
interior
de só já existir
aquela pedra que dura
e onde cintila
como um afago
uma estrela em viagem
no arco da memória 
voo que perdura
e que por três vezes
beijou
negando no lago
o reflexo
da sua imagem.

Lisboa, 9 de Julho de 2013
Carlos Vieira

Imagem by Daniel White

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Lince II



Gosto muito de linces
nunca tinha visto nenhum ao vivo
até que um destes dias consegui surpreendê-lo
numa curva da estrada
na orla de um bosque e da madrugada
contra o vento
de orelha levantada e de lombo arqueado
gesto e instante de um felino que nenhuma palavra
pode descrever nem sequer murmurar
por mais ágil e astuto que seja o poeta
ou esteja em causa a sobrevivência
de súbito foi uma correria
desinteressei-me
deixei-o ir
bastam-me por agora as penas da perdiz
dispersas sob a erva do caminho
um momento de brisa a favor
em que me curvo
intenso
sob a poesia.

Lisboa, 3 de julho de 2013

Carlos Vieira


Lince

Lince
palavra em vias de extinção
súbita cintilação
avistada entre a bruma primaveril do poema
e uma vereda da serra da Malcata


Lisboa, 3 de Julho de 2013

Carlos Vieira