O pardal
era o coração volante
do arbusto
agitado.
Uma lagartixa
esgueirava-se
pelo caule
como um desejo.
Compareceu
naquela tarde
a hábil borboleta
em ziguezague
pragmática
e ávida
de folhas suaves.
No entanto
este deslumbramento
e rumor
de animais breves
foram interrompidos
por um único estampido
num único segundo.
À morte
do pardal
bastou o gesto
também ele breve
do gatilho
esse pássaro eterno
em gaiola
de ferro.
Talvez lhe reste
a sombra do arbusto
sem coração
ou um sonho separado
do corpo
como a cauda
da lagartixa.
A frágil borboleta
sobrevivente sem memória
bate as asas
resiste ao efeito de sopro
do chumbo
ao cheiro da pólvora
caído sobre o pólen
resiste
na sua vida breve.
Batem as asas
as borboleta
destes tempos
carregando contigo
o peso insuportável
e a subtileza
de mudar o mundo.
Bater de asas
de borboleta
de melhorar
a sua vida curta
de lhe dar
fresca sombra
no desastrado voo
que antecede a sua morte.
Irrompe o arbusto
que não deixou de crescer
desde o princípio da história
com o chumbo
cravado no tronco
encostada a si
permanece
calada
uma espingarda.
Lisboa, 15 de Junho de 2013
Carlos Vieira
Pintura de autor desconhecido