I
a noite
nasce na febre das sementes
um fruto
de coração franco e aberto
II
na orla breve
do fósforo bruxuleante
uma forca de luz inquisidora
ou um foco da ternura que anoitece
III
por uma fresta
esgueira-se a lua insolente
acorda a fera
a carícia nocturna em quarto crescente
IV
escuro como breu
um estertor no seio da floresta
a fatal faísca
ateou a tragédia de um fogo interior
V
a fénix renascida
das cinzas
no trilho da insónia
adiciona ao silêncio a solidão fecunda
VI
a esfera imóvel a contraluz
forja de cócoras uma figura
o planeta segue o rumo das trevas
em câmara lenta sem coragem esconde-se um homem
VII
a frescura de uma abóbada de folhas
a luz tépida da clorofila
uma frase lapidar
o ocaso de uma ideia
VIII
a fibra e a sombra de um princípio
no fim do túnel a claridade
a beleza do instante
que antecede o ataque do felino
IX
uma fenda secreta no muro
a farpa do tempo
a clarividência dos peixes
por cima do mar devorando as nuvens
X
o silêncio putrefacto
de tantas cores e frutos sonhados
o regresso à fertilidade
da fé nas palavras agridoces
Lisboa, 5 de Maio de 2013
Carlos Vieira