A noite mais pura nos
teus ombros
é uma nau
surpreendente
que transporta o
orvalho das pérolas
e sobre si o gume
afável do horizonte
a urdir palavras de sal
e espuma
estou neste vagar de
pescador
suspenso sobre a ponte
libertando da linha
a nuvem
e a claustrofobia do
peixe
que voa agora num céu
de chumbo
olho-te por debaixo da
máscara
que os dias vão
segregando
mergulhado nas névoas
inefáveis do tempo
estou de vigia
neste silêncio aflito
à solta na enseada um
nó cego
aceso de fúria
os uivos da tempestade
são também revelações do
teu corpo nu
ardem estrelas fugazes
nas articulações
e abrando o
músculo das vinganças
tornaram-se efémeras as
ilusões de conquista
vou devorando
correntes e âncoras
da madrugada
no esquecimento
prossegue o larvar das
cicatrizes de luz
enquanto pirogas de
espanto
navegam desgovernadas
escapando por um triz
aos corais da razão
submersa
soçobramos no mistério
da praia mar
à liberdade lapidar de
vencer a morte
e à ansiosa expressão de um olhar
entre a vereda
vertical
e a emboscada
escondes-te num inquieto
magnetismo
no entanto o mundo
arruma-se pacientemente
debaixo de um carvalho
secular
os insectos vão soletrando
o húmus
o que nos trai
é o triste desatar do
esperanto das lágrimas
aguardando que
compareças
na poesia
em que vou decantando a
tua ausência
paciente
viro-me subitamente
e não és apenas a
folha caduca
que cai
tu és a minha única
certeza
pendular.
Lisboa, 14 de
Fevereiro de 2013
Carlos Vieira