I
aqui estou eu
diante da folha branca
camponês frente ao baldio
enquanto espero à sua beira
pelo rio das palavras
o canto livre
dos pássaros inquietos
corre-me nas minhas veias
na respiração das árvores
fico preso na gaiola das ideias
II
aqui fico
de olhar perdido na planície
como um pastor
olhando as palavras tosar a erva
e um lobo a crescer dentro de mim
depois junto-as todas
ponho o texto no bolso
chego ao fim do dia
e na minha cabeça a latejar
o dolente ruminar dos animais
o fulminante silêncio da noite
onde tosquio as ovelhas
e as palavras
uma a uma
III
viajo neste comboio
nesta sucessão de túneis
oiço o riso fresco
das florestas
e das mulheres
conheço os precipícios
sei das assombrações
o meu cérebro
é um deserto atravessado
pelo gemido metálico nos carris
a quietude das passagens de nível
sobre a esquecida estação
a corrente de ar
uma película de poeira
de grãos de areia e palavras
repousa ínfimo
o peso do meu corpo
à espera de vida
IV
navego na profusão do azul
distingo gaivotas distantes
na bruma
palavras que ganharam asas
nas nuvens se confundem
e com a espuma
todo este mar e estas aves
porém de nada me servem
estes círculos
de puros abraços
e tristezas suaves
Lisboa, 21 de Julho de 2012
Carlos Vieira